domingo, 28 de novembro de 2010

"VEM , Ó SENHOR, COM O TEU POVO CAMINHAR"

(Is 2,1-5; Sl 121/122; Rm 13,11-14; Mt 24,37-44) 1º dom Advento (Pe.Itacir Brassiani)
O Advento é um tempo que nos convida a mergulhar fundo na mística cristã. É tempo de espera e de esperança, de atenção e de vigilância, de alegre preparação da vinda do Senhor, de abertura profunda e de súplica insistente para que seu Reino de Deus se faça visível no meio de nós. Neste caminho feito em quatro etapas, somos acompanhados e guiados por algumas comapnheiras e companheiros muito significativos: os profetas Isaías e João Batista; o jovem casal Maria e José; os apóstolos Paulo e Tiago. Ao lado destas figuras, a comunidade dos pobres do Senhor alimentam nossa esperança com salmos belíssimos, nascidos no ventre de uma história fecundada pela certeza de que toda espera e todo ardor desabrocharão em plena alegria. Por isso, do início ao fim desta caminhada, cantamos: “Vem, ó Senhor, com o teu povo caminhar! Teu corpo e sangue vida e força vêm nos dar!”


“Vinde, vamos caminhar à luz do Senhor!”
As comunidades cristãs da América Latina canonizaram a caminhada como metáfora daquilo que fazem, crêem e esperam. Esta imagem lembra que Jesus é o Caminho, que crer nele significa caminhar com ele, seguir seus passos e reinventar sua compaixão. Esta imagem de caminho também repõe sempre de novo a epopéia daquele punhado de escravos que, sendo marcados a ferro o fogo pela opressão e pela morte, fazem seu êxodo em direção a uma terra e um projeto de sociedade sem males.
Entretanto, a imagem do caminho não se esgota na memória e na proposta de uma sempre necessária travessia. Ela nos faz lembrar também que o êxodo em direção a um novo céu e uma nova terra só é possível porque o próprio Deus desce e vem ao nosso encontro, escutando os surdos clamores dos oprimidos, assumindo a humana carne dos excluídos, restaurando a dignidade dos condenados. É o Advento de Deus na ambiguidade da história que possibilita o Êxodo em direção a uma nova história.
Por isso, no Advento somos convidados/as a caminhar alegres e expectantes ao encontro de Algo que está nascendo e de Alguém que está vindo ao nosso encontro. Caminhamos confiantes, pois o próprio Deus encurta a estrada e abrevia o tempo, vindo ao nosso encontro em Jesus de Nazaré, mostrando sua glória na nossa carne, armando sua tenda em nossos acampamentos. Porque Deus está sempre advindo a nós em seu reino, podemos empreender seguros o êxodo que ele nos pede.


“Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem.”
Damos por certo que “Aquele que vem” é o Filho de Deus. Mas não é exatamente isso que o evangelho de hoje nos diz! Quando se refere a si mesmo, Jesus escolhe conscientemente a expressão Filho do Homem. Enquanto nós preferimos afirmar que este profeta que nasceu em Belém, viveu em Nazaré, adquiriu fama na Galiléia e foi morto em Jerusalém é filho de Deus, ele mesmo insiste que o Messias compassivo e solidário, aquele que resgata a dgnidade dos últimos, é filho da humanidade.
Esta expressão, inspirada na visão do profeta Daniel (cf. Dn 7,13) aparece mais de 80 vezes nos evangelhos, o que demonstra sua importância. Na visão de Daniel, a imagem de “alguém semelhante a um filho de homem” expressa a expectativa do surgimento de uma comunidade radicalmente humana, diferente dos impérios e reis que oprimem e agem como monstros. Com esta imagem, Jesus sublinha sua condição humana (paixão e compaixão) e alude à nova humanidade que se reúne ao seu redor.


Nesta perspectiva, neste tempo de Advento a Palavra de Deus pede que purifiquemos nosso olhar e concentremos nossa atenção nos sinais e processos de humanização que estão em andamento e pedem passagem. Evitemos a piedosa ilusão de esperar que Deus entre no mundo de modo espetacular e miraculoso, ou então de uma forma intimista, limitada pela estreiteza e pela ambiguidade do nosso coração, ou ainda da tentação colorida de prendê-lo nas vitrines e encontrá-lo nos shopings centers.


“Já é hora de despertardes do sono!”
Jesus nos previne sobre os riscos de uma fé vivida sem responsabilidade histórica. Recordando o que acontecera no tempo de Noé, ele lembra que as rotinas e compromissos cotidianos, impostos pela ditadura da sobrevivência ou dos interesses estreitos e imediatos, pode nos levar a uma perigosa distração em relação ao que é essencial. Jesus não é um moralista interessado em condenar as festas, a gula ou a bebedeira, mas um profeta que chama a atenção àquilo que é definitivamente esencial.

Escrevendo aos Romanos e usando outras palavras, Paulo se refere ao mesmo risco. Vivemos numa cultura da distração. A oferta de uma quantidade estonteante de mercadorias, a possibilidade de infinitas e sempre novas experiências, o acesso facilitado aos lugares mais exóticos, têm um só objetivo: evitar que nos confrontemos com as questões fundamentais que nos interpelam como pessoas e como humanidade. A enxurrada de bens e possibilidades nos envolvem como uma noite, e nós dormimos.


“Nada de glutonerias e bebedeiras, nem de contendas e rivalidades!”
É aqui que a mística do Advento entra como um despertador e nos acorda do sono letárgico. Infelizmente, o tempo de espera vigilante foi transformado em tempo de comércio alucinante, e a única coisa que se espera é receber um bom presente ou conseguir pagar as despesas das festas. As milhares de luzes que piscam e seduzem os incautos não são mais que sinais da noite que nos envolve. “Já é hora de despertardes do sono. A noite está quase passando e o dia vem chegando.”
Paulo pede que evitemos brigas e rivalidades. Além dos sangrentos conflitos que contrapõem cidadãos e imigrantes, ocidentais e orientais, ricos e pobres, consumidores e excluídos, civilizados e bárbaros... há a competição pelo maior número de fiéis, pelo presente mais fabuloso, pela carreira mais fulgurante, pelo maior faturamento nas vendas natalinas, pelo menor preço e maior qualidade, pela conquista dos mercados emergentes... É uma noite plena de pesadelos e ameaças.

Paulo nos convida também à sobriedade no comprar, no comer e no beber. Não se trata da austeridade, característica de quem despreza o que dá prazer, mas da sobriedade de quem sabe que está no mundo como hóspede e se deixa guiar por um sonho que armará sua tenda na história. Comemos e bebemos sobriamente para celebrar o advento de Deus na humanidade, mas temos consciência de que o Reino de Deus não se resume em comer e beber. “Teu corpo e sangue vida e força vêm nos dar...”


“E nunca mais se treinarão para a guerra...”
Alcançamos e construímos o Reino de Deus seguindo a estrada sinalizada pelo profeta Isaías e percorrida responsavelmente por Jesus Cristo. E este via passa por uma radical inversão dos valores e prioridades que, via de regra, regem nossa vida e orientam as instituições. Isaías fala em destruir espadas e lanças e refundi-las em foices e arados. Em outras palavras: substituir a competição violenta e predatória pela produção e distribuição de comida, alicerce de uma vida realmente pacífica.

A violência não é exclusividade das guerras. O teólogo Raimon Panikkar não cansou de denunciar a instrínseca violência da razão ocidental moderna. A cultura que predominou no ocidente nos últimos séculos é uma cultura armada, que transforma a razão numa arma para convecer e vencer. Há uma continuidade entre a razão que quer controlar a verdade e a corrida armamentista. Acredita-se que a paz seja alcançada mediante a derrota e a destruição do adversários. Frutos desta razão belicosa são, entre outros, a competição predatória na economia e a criminalização social dos migrantes.

A preparação para o Natal, que é também preparação do advento de uma nova humanidade e um outro mundo, passa pelo desarmamento geral da cultura e das instituições. A suspeita que o ocidente lança sobre as utopias teocráticas deve ser completada com a crítica que o oriente faz aos impérios tecnocráticos. De qualquer modo, acolher o filho do homem que vem e percorrer seus caminhos implica em abandonar de vez todos os ‘sagrados’ valores da competição e do confronto.


“Revesti-vos do Senhor!”
Ó Pai, em Jesus, Maria e José destes à humanidade teu mais precioso presente. E através desta família recebeste a mais profunda e generosa resposta humana a este dom. Dá-nos a preciosa companhia desta família nestas semanas de espera vigilante, alegre e ativa. Que ela nos ajude a vencer a letárgica distração que nos oferecem como se fosse remédio, a escutar atentamente tua Palavra viva e a superar uma razão perigosamente violenta. E que possamos acolher teu Reino como nosso Sonho e teu Filho, que é também Filho do Homem, como mestre e companheiro neste caminho.
Pe. Itacir Brassiani msf