sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"São tantos os apelos que vêm dos oprimidos.."

(Am 6,1.4-7; Sl 145/146; 1Tm 6,11-16; Lc 16,19-31)(26.09.2010)
O calendário nos lembra que a primavera devagarinho vai chegando ao hemisfério sul, mas a virulência da grande imprensa verde-amarela deixa transparecer o medo e a falta de caráter dos setores arcaicos e cínicos da sociedade brasileira. Eles não conseguem engolir que o povo faça sua própria escolha política a não ser que seja a opção por aqueles que lhe tiram a pele. Efetivamente, aqueles que sempre se lucupletaram e banquetearam, ignorando olimpicamente os milhões de pobres de cujas feridas só os cães se ocupavam, lançam mão de todos os artifícios para mudar os rumos da eleição que se aproxima. Até a religião – tanto as declarações dos fiéis ingênuos como os discursos e documentos dos hierarcas amedrontados – se transforma em munição mortal nos veículos de comunicação. Mas entre entra estas elites mascaradas e o povo se cavou um abismo que nem as montanhas de jornais repletos de acusações e de desprezo pelo povo podem encher.

“Procura a justiça e a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão...”
Precisamos sempre de novo nos interrogar: o que estamos mesmo buscando na religião? Vários estudos sérios mostram como as pessoas simples, e não só elas, são atraídas pelos fenômenos fantásticos e miraculosos. A multiplicação de novenas e promessas, assim como o crescimento das peregrinações ao encontro do enésimo curandeiro ou milagreiro o comprovam. Por trás disso está a insegurança na qual vive boa parte do nosso povo, mas também a sedução exercida por tudo o que cheira a milagre.
E há também aqueles que buscam a religião como sustentação para interesses e projetos de dominação, desde os homens que buscam argumentos para seu machismo decadente até os políticos que caçam desesperadamente apoio para suas carreiras. Mas não esqueçamos também a erva daninha do sucesso que lança raízes em não poucas pessoas que se consagram a Deus e se apresentam para exercer o ministério em nome dele. (Nesse contexto os padres popstars prestam um péssimo serviço.)
Na carta a Tmóteo proposta pela liturgia de hoje Paulo pede bem outra coisa. “Tu que és um homem de Deus, procura a justiça e a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão. Combate o bom combate da fé...” Trata-se de juntar a piedade à prática da justiça, de unir a solidariedade à fé, de casar a mansidão com a perseverança no seguimento de Jesus Cristo, único e soberano líder que pode nos guiar a um mundo justo, fraterno e liberto.

“Ai dos que se deitam em camas de marfim, indiferentes ao sofrimento de José...”
No evangelho deste domingo, Jesus continua nos alertando em relação ao risco da aparência, do dinheiro e do poder. Ele polemiza com os fariseus, mas sua atenção está voltada aos discípulos/as. A fé na sua Palavra e a adesão aos seus ensinamentos deve mudar e qualificar nossa relação com os bens e com os pobres. Uma fé vivida unicamente como remédio para nossos males individuais ou como combustível para uma carreira de sucesso tem pouco a ver com Jesus Cristo.
O fato é que, tanto no tempo do evangelista como hoje, frequentemente há um abismo, tanto real quanto ignorado, que separa as pessoas que frequentam a mesma comunidade. É isso que aparece na parábola proposta por Jesus: há um rico que se veste rica e elegantemente e dá explêndidas festas todos os dias; e um pobre coberto de feridas, devorado pela fome, rodeado de cachorros e sentado na calçada, em frente à porta da casa do rico e absolutamente invisível a irrelevante para ele.
Esta é uma triste imagem de um Brasil ainda dividido pela miséria e pela injustiça, apesar dos esforços dos governos e outras instituições. É também um retrato de um mundo cínico e injusto, dividido entre um punhado de países opulentos e uma maioria de países empobrecidos. O profeta Amós dirige duras palavras aos primeiros: dormem em camas de marfim, comem manjares suculentos e bem vinhos finos, usam perfumes caros dedilham instrumentos musicais mas são indiferentes às dores do povo.

“Pai Abraão, tem compaixão de mim!...”
Mas no centro da vida cristã está deve estar a compaixão pelos pobres, e não a indiferença e a busca do próprio bem-estar. O caminho entre a porta e a mesa deve ser amplo e aberto. Não é possível cortar a relação entre a fé e a justiça. Jesus não aceita a indiferença dos ricos frente à (má) sorte dos pobres. Sua Palavra é clara e contundente: “Ai de vós, os ricos, porque já tendes vossa consolação!” (Lc 6,24). Ele insiste que os pobres e os sofredores devem ocupar os primeiros lugares na lista de convidados para as e celebrações (cf. Lc 14,13). Mas Lázaro nunca pode passar da porta do rico.
Soa estranho, para não dizer cínico, o pedido de compaixão do rico em meio aos tormentos. Mesmo na tragédia pessoal, ele continua achando que os pobres devem estar a seu serviço: bem que eles poderiam molhar sua língua para aliviar a sede ou avisar seus parentes para livrá-los a tempo dos males que os esperam... Não pode não ser cinismo este apelo para que os pobres tenham compaixão dos ricos que sempre se vestiram de indiferença e prepotência.

“Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento.”
O caminho para o céu é feito de terra. E aqui é preciso lembrar que indiferença corta a comunicação, destrói as pontes, cava abismos e fere de morte a colaboração solidária entre as pessoas. Será que a simples participação numa celebração religiosa, num comício político ou numa festa civil pode criar relações entre pessoas e grupos que, fora deste espaço, se ignoram, enfrentam ou exploram? Será que a água benta ou o cântico melodioso pode congregar aqueles que a indiferença separa?
É lamentável que muitos pregadores/as caiam na armadilha de uma leitura fácil e preconcebida e proponham esta parábola de Jesus como uma espécie fotografia da inversão que a morte provocaria na vida real. Jesus não está querendo falar da felicidade que espera os sofredores no paraíso ou do sofrimento destinado aos ricos depois da morte. O que ele quer enfatizar é o caráter decisivo e irreversível das opções que fazemos e das práticas que desenvolvemos no tempo presente.
É incrível como também hoje, imitando os fariseus do tempo de Jesus, tantas pessoas que se apresentam como piedosas queiram simplesmente irgnorar as palavras e ações proféticas que a Bíblia nos propõe. Muitas passam ao largo da fraqueza e da compaixão de Deus na cruz e buscam sinais milagrosos e piedosos. Mas não há outro sinal senão o de Jonas, ou seja: a conversão a um Deus despojado por amor (cf. Lc 11,29-32). Este é o único caminho digno de um discípulo de Jesus Cristo.

“Eles têm Moisés e os profetas. Que os escutem!”
Na vida cristã autêntica não há lugar para privilégios, nem para milagres. O caminho cristão é pavimentado pela escuta da Palavra de Deus e pela conversão. Jesus se demora na descrição das tentativas infrutíferas do homem rico para reverter uma situação irreversível: ignorar o abismo que ele mesmo cavou e pedir que lhe tragam água para amenizar a sede; e enviar um morto ressuscitado para convencer seus parentes da necessidade de mudar de comportamento.
Mas não há sinal poderoso ou milagre esplendoroso capaz de tocar o coração e a mente de quem se fechou em si mesmo/a e faz da indiferença uma couraça protetora. Nada pode curar aqueles/as que se fecharam hermeticamente à palavra e ao testemunho dos profetas, dos apóstolos e do próprio Jesus. Moisés soube escutar os clamores do seu povo, compartilhar suas dores e seus anseios de liberdade. Os profetas não fizeram outra coisa que lembrar e reivindicar o direito divino dos pobres. E Jesus se fez do pobre companheiro e servidor, situando-se no meio dos últimos, inclusive na cruz.
Não adianta apelar para privilégios. Deus desconhece qualquer privilégio fora da prioridade absoluta dos pobres. De nada serve protestar dizendo, ao modo de cobras venenosas e traiçoeiras: “Nosso pai é Abraão!” (Lc 3,8). Ou então: “Comemos e bebemos na tua presença, e tu ensinaste em nossas praças.” É preciso escutar a fundo a voz da consciência, na qual ressoa a Palavra de Deus escrita no livro sagrado: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça” (cf. Lc 13,22-30).
No final deste mês da Bíblia digamos com todo o nosso ser: “Fala, Senhor! Fala da Vida! Só tu tens palavras eternas, e nós queremos ouvir. São tantos os apelos que vêm dos oprimidos. Tu és quem liberta, o Deus dos esquecidos. Ajuda-nos a vencer a indiferença que abre abismos entre pessoas que nasceram para ser irmãos e irmãs. Ensina-nos a acolher aquilo que nos dizes através dos profetas e santos/as de todos os tempos. E que tua Palavra seja sempre a luz dos nossos passos. Amém!”
Pe. Itacir Brassiani msf

terça-feira, 21 de setembro de 2010

IV Retiro mensal da Familia Franciscana do RS




Estimad@s Irmãs, Irmãos, amig@s e simpatizantes
do Carisma e da Família Franciscana

PAZ E BEM!

A Equipe de Coordenação da FFB-RS vem convidar
você, suas Irmãs e seus Irmãos e amig@as para o

IV - QUARTO RETIRO MENSAL DA FAMÍLIA FRANCISCANA DO RS

a realizar-se no domingo, dia 26 de setembro de 2010

TEMA: “CARISMA FRANCISCLARIANO”

ASSESSORIA: irmã Lenita - Irmãs Franciscanas Bernardinas

Data: 26 de setembro de 2010
Início: 08:30 h – Término: 12:00h

Local: Centro de Espiritualidade Franciscana
Convento São Lourenço de Brindisi
Rua Paulino Chaves, 291
Bairro Santo Antônio – Porto Alegre – RS
Fone: 51-3223.2800

Obs.: Todos os Retiros encerram com a Santa Missa às 11 horas.
Não há necessidade de inscrição anterior.
Haverá almoço no local.
Sejam tod@s bem-vind@s!!!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

" Palavras santas do Senhor eu Guardarei no Coração"

(Am 8,4-7; Sl 112/113; 1Tm 2,1-8; Lc 16,1-13)}(19.09.2010)
Palavras e imagens poderosas e sedutoras martelam em nossos ouvidos e solicitam nosso olhar. Críticas mordazes e suspeitas alimentadas por interesses escusos são repetidas como refrão de uma ladainha. É isso que vem dando o tom na campanha política que envolve o povo brasileiro. Como ouvir, guardar e entender a Palavra viva de Deus em meio a tantos rumores? Será que o mês dedicado à Bíblia não pode nos ajudar numa crítica mais profunda das nossas práticas e instituições e num olhar mais esperançoso e transformador destas realidades? De fato, a Palavra de Deus não é simplesmente uma palavra a mais em meio a tantas outras, mas o sentido profundo e transcendente de todos os anseios e palavras verdadeiramente humanas. A Palavra de Deus está encarnada nas palavras humanas, assim como a ação de Deus se conjuga com a ação humana que cria comunhão e promove a liberdade.


“Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria?”
Vivemos numa sociedade de simulação e de consumo. Nada melhor que o tempo de campanha política para trazer a simulação à luz do dia. Todos os postulantes às funções públicas, legislativas ou executivas, fazem questão de se mostrarem devotados agentes públicos, amigos de todos, servidores dos pobres. É como se quisessem fazer da política um sacerdócio e dedicar a vida pelos oprimidos. A realidade é colorida ou reduzida a preto e branco, de acordo com os interesses partidários ou pessoais. As palavras mais encobrem do que revelam aquilo que se esconde no íntimo dos candidatos. Tudo é simulação.
Mas a política está inserida num contexto mais amplo que é a sociedade de consumo. Tudo é regido pela lei do mercado, tudo existe para ser consumido e substituído o mais rapidamente possível. O consumo é a alma deste mundo sem coração e a mina de onde é extraído o ouro da riqueza de poucos à custa da ruína de muitos. E esta tentação seduz até a religião e a política. Todos esperam impacientes o momento oportuno para alterar as regras e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com promessas, óculos, camisetas, sandálias ou bênçãos e curas fáceis.
Que lugar têm os pobres e que sentido tem a vida deles nesta sociedade? Nenhum. Até pouco tempo eles serviam como combustível humano nas máquinas e processos industriais, como mercadoria humana no mercado onde se comercializava a mão de obra. Agora a automação tomou o lugar deles, com menos custo e sem o incômodo dos olhares famintos ou das greves desestabilizadoras. Os pobres não servem mais nem como consumidores, pois um só consumidor rico vale por noventa e nove consumidores miseráveis. Servem apenas como votantes, e isso enquanto o voto for obrigatório.


“Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar seus bens.”
Como iluminar esta realidade com a luz da Palavra de Deus? A parábola que Jesus apresenta hoje aos seus discípulos é muito complexa, mas pode nos ajudar. Temos ainda bem presente na memória e no coração as parábolas que Jesus nos propôs no último domingo como defesa da sua prática solidária com os pobres e excluídos. Como esquecer a figura daquele pai que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a disputar a ração dada aos porcos?
A parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertenciam e, por isso, estava ameaçado de demissão. Ciente de que não estava preparado para outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas ele agiu com esperteza e rapidez: alterou o montante da conta em favor de alguns devedores e prejudicando mais ainda seu patrão. Com isso, esperava que no futuro os devedores por ele beneficiados saberiam retribuir solidariamente seu gesto de bondade.
O que surpreende e desconcerta é que a esperteza do administrador recebe um elogio explícito do patrão (e do próprio Jesus). Há quem explique o elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a hipótese de que o desconto de 50 e 20% corresponde aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão à qual o administrador tinha direito. Seria isso mesmo? Ou Jesus estaria propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido ao inferno social?


Usai o dinheiro injusto para fazer amigos...”
A questão fundamental que Jesus nos apresenta com esta parábola é como usar adequadamente os bens, as honras e o prestígio. A palavra clara e corajosa de Amós traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos tentam esconder nas sombras da noite ou nas franjas de uma hipocrisia deslavada. Mas deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e radicalmente injusta.
O administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do dinheiro (como os fariseus) e se mostra amigo das pessoas. Com ele nós aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos pertence e precisa ser usado corretamente: para beneficiar a pessoa humana, todas as pessoas, começando pelas mais necessitadas. A ação do administrador é claramente oposta àquilo que fazem os comerciantes denunciados pelo profeta Amós.
Aquilo que parece esbanjamento e desonestidade é pura sabedoria evangélica. Precisamos desenvolver nossas responsabilidades no mundo da economia – produção, administração, distribuição e consumo – com critérios evangélicos. E o critério fundamental é este: os bens estão a serviço de uma convivência humana sadia e solidária. Desviar para os bens econômicos o amor que devemos às pessoas é uma loucura que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais.


“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Precisamos fazer a escolha certa no tempo certo. O momento presente é decisivo em nossa vida. O passado se foi, o futuro ainda está para chegar, mas o presente urge e solicita nossa intervenção sábia. Existem cristãos que construíram sua moradia no passado, e dela não saem para nada. E outros se refugiam no futuro, onde vivem num mundo de fantasia. E quando este futuro é chamado de vida eterna e revestido com esfarrapadas roupas de piedade a mudança é quase impossível.
O uso esperto e sábio dos bens econômicos é que nos habilita a administrar o bem verdadeiro, o Reino de Deus. Esta é a lição que Jesus dá aos cristãos e à Igreja. É intolerável que uma instituição que se legitima unicamente como administradora do Reino de Deus siga impondo fardos aos mais pobres, beneficiando os poderosos, excluindo e criminalizando aqueles que não podem seguir estreitas regras morais, nem sempre evangélicas, enquanto que Paulo nos lembra que Deus quer que todos se salvem!...
O tempo é breve e os bens não nos pertencem! O próprio Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do pai e não fez outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas que os sistemas sempre criminalizaram. Mas a maioria das igrejas dá a impressão de que foram enviadas para aumentar estas contas ou cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos, criar vínculos e construir espaços de liberdade eles engordam suas contas bancárias e aumentam o poder.


“E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza.”
É impossível amar Deus e viver em nome Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, dobrar os joelhos diante da riqueza, do poder e do prestígio. Ninguém pode adiar impunemente a necessidade de decidir entre Deus e o dinheiro. Precisamos aprender de Jesus o que significa ser esperto e sábio. A Palavra de Deus é penetrante como uma faca de fio duplo: vai até a medula e separa o que é bom e o que é ruim. Tomemos como orientação e guardemos estas palavras santas no coração, mesmo quando são duras, como as do profeta Amós.
Senhor, tua Palavra é santa e nos ensina a sabedoria. Queremos guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Concede-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, mantendo-nos no serviço àqueles/as que são excluídos/as da mesa de todos e recebem apenas as migalhas que sobram. Que nossa comunidade atualize tua ação de levantar o indigente da poeira, retirar os pobres do lixo e fazê-los sentar entre os nobres do teu povo.
Pe. Itacir Brassiani msf

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Assembléia da FFB-RS

A Família Franciscana do Rio Grande do Sul realizou no dia 13 de setembro 2010 sua Assembléia Regional Anual com a participação de 25 representantes de diversas entidades das três Ordens Franciscanas. A Assembléia teve um caráter celebrativo, reflexivo, de partilha dos diversos serviços, de comunicados e encaminhamentos para o próximo ano. Enriqueceu-nos, sobretudo, a rica reflexão temática das assessoras: a Abadessa Clarissa, Ir. Maria Francisca, desenvolvendo o tema “A Contemplação em Santa Clara de Assis”; a Irmã Franciscana Mônica Azevedo, das Irmãs Franciscanas PCC, partilhando o tema “As Relações Fraternas em Santa Clara de Assis, e, a Ir. Fabrisa Perusso, da OFS, dinamizando o tema “A Missão em Santa Clara de Assis”.
Meritório destaque foi a presença da representante nacional da Família Franciscana do Brasil, Ir. Jacinta Bischling; Jaime Tessari, Ministro Regional da OFS, e, a recém eleita, Madre Abadessa Clarissa, Ir. Maria Francisca.

A FFB-RS continuará fomentando em 2011 dois Cursos de Formação Permanente: O Curso de Franciscanismo em Daltro Filho (básico e informal) e o Curso de Franciscanismo na ESTEF (acadêmico com reconhecimento oficial).

Duas propostas foram assumidas para 2011:
- a realização de um Seminário com o tema da Economia Solidária, a realizar-se dias 27 a 29 de maio de 2011, com assessoria da Irmã Lenita Grippa; e,
- a realização de um Retiro de 5 dias para na Casa de Encontros São Bernardino, em Viamão (até 60 pessoas) – Data: 23 a 27 de setembro de 2011.

Com a presença do Isnar e da Saraí, representando o Instituto Cultural Padre Josimo e a Associação Madre Cristina, fomos desafiados a nos inserir mais profundamente na dimensão ecológica através da campanha de arrecadação de óleo de cozinha, bem como, a nos sensibilizarmos para o mundo da evangelização através da comunicação televisiva de mensagens franciscanas. Grandes desafios franciscanos hoje.
A próxima reunião da Equipe de Coordenação da FFB-RS será no dia 14 de outubro 2010; e, a Assembléia Regional Anual Eletiva da FFB-RS ocorrerá dia 12 de setembro de 2011.

sábado, 11 de setembro de 2010

"Só tu tens palavra eternas, queremos ouvir"

(Ex 32,7-14; Sl 50/51; 1Tm 1,12-17; Lc 15,1-32)(12.09.2010)
“Palavras de salvação somente o céu tem pra dar”, canta o Pe. Zezinho. “Só tu tens palavras eternas, queremos ouvir”, cantamos em nossas comunidades. Estas palavras de salvação e de eternidade são sempre boa notícia que desperta, sustenta, orienta. Mas são tudo, menos palavras fáceis e apaziguadoras. A Palavra de Deus, que se faz grito no clamor dos pobres e interpelação na boca dos profetas, nos chama ao essencial, nos leva ao encontro conosco mesmos, nos coloca nus diante da nossa vocação de cristãos. É palavra de vida eterna exatamente porque nos arranca da comodidade dos esconderijos que construímos com nossos interesses e desculpas. É palavra de salvação porque nos recorda que, aos olhos de Deus, não pode existir senão uma humanidade única e indivisa. E este desejo de Deus se transforma na utopia que move nossos passos.

“Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar.”
Jesus Cristo é a palavra de Deus feita carne defitivamente, o ‘sim’ irrevocável de Deus à humanidade. Nele todas as promessas de Deus se unificam e se deixam tocar. Nele o verbo deixa de ser conceito e se torna ação. Em Jesus Cristo Deus liberta falando e fala libertando. Sua ação libertadora se condensa no resgate da cidadania dos excluídos e a Palavra vivificante se resume no anúncio do início de um tempo regido pela gratuidade e pela compaixão.
Paulo escreve a Timóteo, recolhendo a experiência pessoal e das comunidades, e referindo-se à ação libertadora e gratuita de Deus em Jesus Cristo, diz: “É digna de fé e de ser acolhida por todos esta Palavra...” É isso que, não obstante as severas adevretências de Jesus que meditamos no último domingo, faz com que “todos os publicanos e pecadores” aproximem-se de Jesus para escutá-lo e se confraternizar com ele. Todos queriam ouvir Jesus, convictos de que só ele tinha “palavras eternas”.

“Os fariseus e escribas, porém, murmuravam contra ele.”
A Palavra e a ação de Jesus trazem à tona uma divisão tão real quanto inaceitável: de um lado – que é o lado de fora ou a parte de baixo da pirâmide social – estão os chamados ‘publicanos e pecadores’; e do outro – o lado de dentro ou o topo da pirâmide – estão os considerados justos, aqueles que se dispensam de qualquer movimento de conversão. Na ideologia religiosa de Israel, os primeiros eram da parte do mal, os ímpios ou impuros; os segundos, eram os piedosos e puros, gente de bem.
Com sua palavra e sua ação, Jesus não cria nem aprova esta divisão. Mas também não passa ao largo, não fecha os olhos como se nada existisse. Fiel à sua experiência de Deus, que coincide com a tradição profética, se aproxima e se coloca ao lado do grupo dos pecadores e impuros. E mais: afirma com todas as letras que os últimos são os primeiros, que a pedra rejeitada é a principal peça na construção do Reino de Deus, e que nenhum dos primeiros convidados provará do seu banquete.
É isso que Jesus ilustra com as três eloquentes parábolas do evangelho de hoje. As pessoas tachadas de pecadoras são como uma ovelha perdida, procurada com incomparável empenho pelo pastor. Ou como uma pequena moeda extraviada e procurada incansavelmente por uma dona de casa. O que importa não é o que levou ao extravio, mas a alegria do pastor e da dona de casa que as encontram. “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida... Encontrei a modeda que tinha perdido!”

“E o pai dividiu os bens entre eles...”
Precisamos ser prudentes e inteligentes para não entrar por uma porta inadequada. A terceira parábola não quer focalizar a presumível culpa e o processo de conversão do filho mais jovem. Se fosse assim, a parábola poderia comelar dizendo “um homem tinha um filho desobediente...” Falando de dois filhos, Jesus estabelece uma clara correspondência com os dois grupos que se dividem em relação a ele: os pecadores, que se aproximavam para escutá-lo; os fariseus que murmuravam contra ele.
A parábola parte aparentemente dando razão aos fariseus e escribas. O filho mais novo pede sua parte da herança, vai embora e gasta tudo sem o menor controle. Mas todos os bens pertencem a Deus, que os divide igualmente entre seus filhos. A justiça de Deus porém não se resume nisso; não é uma formalidade fria e cega, indiferente às diferenças e sofrimentos concretos das pessoas.
A situação daquele personagem fictício, empregado na criação de porcos em terra estrangeira, faminto a ponto de desejar alimentar-se com a ração dada aos porcos, ressalta mais sua situação de miséria e exploração que sua culpa. O prostramento é tal que ele acaba se convencendo de que perdeu todos os direitos e se resigna a ser tratado como empregado na casa do próprio pai. Eis a experiência subjetiva dos doentes, estrangeiros, pecadores, mulheres e tantos outros no tempo de Jesus.

“Seu pai o avistou e foi tomado de compaixão.”
Esta palavra de Jesus sublinha que aos olhos de Deus não existe primeiro e terceiro mundos, gente de primeira classe e gente absolutamente desclassificada, filhos/as cheios/as de direitos e filhos/as deserdados/as. Para Deus a humanidade é indivisível. Tendo avistado de longe o filho miserável, antes de qualquer palavra de arrependeimento ou submissão, o pai vai ao seu encontro absolutamente comovido. E quando o filho recita o refrão da culpa introjetada, o pai nem lhe dá ouvidos.
Se há uma reviravolta nesta história, esta é representada pelo pai e não pelo filho. Deus se recusa a aceitar uma humanidade dividada entre uns poucos que se presumem irrepreensíveis, merecedores de todos os bens, e uma multidão que deve repetir o refrão das culpas que lhe atribuem e mendigar a simples sobrevivência. Deus rompe com as regras de uma justiça estreita e escancara as portas de sua casa aos necessitados e pecadores. E não está nem aí com a murmuração dos descontentes.
Infelizmente, por comodidade ou por maldade, continuamos a tolerar um mundo dividido, e raramente nos incomodamos com os 2/3 da humanidade que padece e sobra. E nos justificamos carimbando-os de indolentes e imprevidentes, imorais e impuros, infiéis e irresponsáveis (e tantos outros ‘i’). Na cabeça de muitos/as e na pregação de alguns, Deus é um promotor que acusa, um juíz que condena, um credor que cobra, um rei que não se interessa pela plebe, mesmo que viva pior que seus cães e porcos.

“Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés...”
A missão de Jesus Cristo consiste em abrir as relações sociais e instituições para que todos os seres humanos, a começar pelos últimos, tenham plena cidadania. Como as 100 ovelhas e as 10 moedas formam unidades que não podem ser divididas, para ele a humanidade é uma só, e não contam as diferenças de crença, de nacionalidade, de orientação sexual, de idade, de escolaridade. O que conta e precisa ser mudado é a divisão entre um grupo de privilegiados e uma maioria de excluídos.
Na parábola, as ações aparentemente exageradas do pai sublinham exatamente isso. Ele não se restringe a ajudar o filho a sobreviver: não lhe dá uma roupa qualquer, mas a melhor túnica; não mata um simples novilho, mas o mais gordo; e lhe dá o anel com o brasão da família, assegurando-lhe a dignidade de membro pleno da família. E uma ação de resgate da cidadania e inclusão social como essa precisa ser solenemente festejada, sem dar atenção aos que se recusam a participar.
Na postura e nas palavras do filho mais velho ressoam os protestos e a presunção dos fariseus e escribas de todos os tempos e latitudes. “Estou bem porque trabalhei, acumulei porque economizei. Os demais estão mal porque fizeram por merecer. Que se danem!” Mas, através de sua Palavra, Deus não se cansa de convidar também a estes a participar de sua alegria pelo acesso dos últimos a uma vida mais digna, pela reintegração dos que trazem na pele e na alma as marcas da exclusão.

“Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro...”
Não há santo sem passado, nem pecador sem futuro. Todos necessitamos e dependemos do amor para alcançar a maturidade e a liberdade, e este amor não vem de nós mesmos, mas de fora, dos outros, de Deus. Paulo faz questão de lembrar seu passado de ignorante, blasfemo e perseguidor. Foi pela graça abundante e imerecida de Deus que ele se tornou apóstolo. Jesus Cristo teve paciência com ele, não lhe negou sua misericórdia e fez dele um exemplo digno de ser imitado.
Dirigimo-nos com confiança a ti, Senhor. Tem paciência conosco, mas não permite que nos fechemos em nós mesmos e nos interesses do nosso grupo. Só tu tens palavras de vida, e nós precisamos ouvi-las. Vem ao nosso encontro, toma-nos pela mão e faz que entremos na tua casa e participemos da festa de acolhida daqueles que estavam perdidos e foram encontrados, estavam mortos e voltaram a viver.
Pe. Itacir Brassiani msf