domingo, 23 de janeiro de 2011

sábado, 22 de janeiro de 2011

Quem ainda acretita que o reino de Deus está próximo?

(Is 8,23-9,3; Sl 26/27; 1Cor 1,10-13.17; Mt 4,12-23) 23.01.2011 – Pe. Itacir
Aquele que fora anuniado como o Cordeiro de Deus vai ao encontro dos últimos da sociedade e estabelece sua morada entre eles. A partir de um mundo periférico e tenebroso, Jesus de Nazaré anuncia viabiliza uma novidade que muda radicalmente o mundo: a chegada do Reino de Deus. Para acolher e levar adiante este sonho indomável, Jesus continua chamando homens e mulheres de boa vontade, aos quais pede unicamente que abram os olhos e a mente à novidade em curso e tenham a coragem de romper os compromissos tácitos ou explícitos com os velhos e às vezes dourados sistemas de dominação. Mas o chamado de Jesus não costuma começar nos templos suntuosos, nas academias famosas ou nos sedutores shopings centers, e o evento da conversão de Saulo (25 de janeiro) continua sendo uma parábola viva a nos alertar sobre os riscos de uma fé tão ardente e zelosa quanto cega.

“Quando soube que João tinha sido preso, Jesus retirou-se para a Galiléia.”
O evangelho de hoje inicia com uma nota histórico-geográfica: Jesus começa resolutamente sua missão depois que lhe chega a notícia da prisão de João Batista. Ele trazia ainda muito viva a recente experiência do encontro com o profeta e amigo à beira do rio Jordão, a consciência luminosa e provocadora de ser filho amado e servo dedicado (3,13-17), e não esquecera a prova das tentações, antecipação do confronto duro e exigente que marcaria toda sua missão (4,1-11).
Jesus deixa sua pequena e querida Nazaré e se muda para a Galiléia, mais precisamente para Cafarnaum, às margens do mar. A referência à antiga denominação “território de Zabulon e Neftali ressalta que esta terra é dom de Deus ao seu povo, lembra sua insignificância geo-política, recorda que este é o palco de uma violenta deportação no passado e afirma que é neste lugar que é reacesa a luz da esperança e resuscitado um canto de alegria. A escolha de Jesus não é fortuita.

“Galiléia entregue às nações pagãs...”
O evangelista sublinha a importância desta escolha de Jesus recorrendo ao profeta Isaías. Este caracteriza a região como sendo dominada pelos pagãos (“Galiléia entregue às nações pagãs”). Com esta expressão Mateus não se refere à prática religiosa dos seus habitantes, mas à marcante presença dos dominadores romanos. Trata-se de uma região ocupada e governada pelo império romano. As elites locais garantiam sua parcela de poder e influência cooperando com os invasores.
Com a ajuda do profeta Isaías, Mateus descreve a situação do povo da região recorrendo a algumas metáforas: trevas/sombra/morte; canga/chicote/vara. O sentido destas imagens ultrapassa o contexto histórico das ameaças da Síria contra Judá (século VII aC) e caracteriza tudo aquilo que é contrário aos propósitos divinos de vida e liberdade para seu povo. Tanto a escuridão como a canga denotam atos e estruturas políticas, sociais, econômicas e religiosas que oprimem o povo.
Jesus escolhe seu novo endereço guiado e fortalecido pelo Espírito de Deus. Ele não muda de Nazaré para cidades maiores e importantes como Tiberíades (importante cidade portuária construída em homenagem ao imperador Tibério) ou Séforis (centro cultural do império). Como cidadão judeu num território controlado por Roma, Jesus decide situar-se à margem, junto à população empobrecida e marginalizada, longe daqueles que colaboram com o império e ao lado daqueles que a ele resistem.

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz...”
Com a presença de Jesus Cristo, a noite da opressão se transfirgura em noite da libertação, a periferia se converte em centro de renovação, a canga e a vara que encarnam a dominação viram lenha de fogueira. Gritos e cantos de alegria substituem o clamor de um povo submergido nas sombras da morte. E qual é a razão dessa mudança? Tudo brota do alegre e jubiloso anúncio de Jesus: “Convertei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo!”
Jesus se apresenta como aquele que Deus envia para desatar o pesado fardo do pecado, amarrado às costas do povo. Deus não age como juiz mas como salvador. Ele não se fecha nos tribunais, mas desce do trono e vem ao encontro dos últimos para instaurar seu reino de paz e de justiça. Seu reino é dinamismo atual de liberdade e de vida abubdante, não promessa vazia para um futuro distante. E esta é uma novidade tão inesperada e revolucionária que exige uma radical conversão no modo de pensar.
Mas Jesus não se limita a anunciar a proximidade do Reino dos céus. Ele se empenha em demonstrar sua presença mediante ações claras e inequívocas. Segundo o evangelista, ele “percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, anunciando a Boa Nova do Reino e curando toda espécie de doença e enfermidade do povo.” Jesus restaura a integridade física dos doentes, possibilita a reinserção social dos excluídos, derrota as forças que oprimem o povo e vence um mundo radicalmente enfermo.

“Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens.”
Com Jesus e em torno dele começa uma nova história, uma história outra, diversa da história de poder e opressão patrocinada e contada pelos vencedores. E exatamente porque é nova e diversa, esta história não gravita em torno de um só personagem, mesmo que este seja o Messias. Liberdade e dignidade não são coisas ou títulos que podem ser adquiridos ou concedidos, mas dinamismos exercitados em primeira pessoa. Sem envolvimento pessoal na ação não há liberdade que seja digna do nome.
É por isso que, junto com o anúncio e a demonstração da irrupção dos áureos tempos esperados, Jesus age chamando discípulos e associando-os à sua missão. Em torno dele, estes discípulos formam uma espécie de comunidade alternativa, centrada na vivência, no anúncio e no serviço ao Reino de Deus. O chamado de Jesus é uma espécie de contestação da pretensa imutabilidade da ordem dominante e uma demonstração da fecundidade da força alternativa que vem de Deus.
Os primeiros a serem chamados para esta comunidade alternativa são duas duplas de irmãos, todos eles galileus marginais que se ocupavam da pesca. Os pescadores eram socialmente desprezados e equiparados aos agiotas, mas, por causa do trabalho, eles também estavam envolvidos com o poder político e econômico do império: como o peixe era considerado mercadoria do império, os pescadores deviam obter das autoridades uma licença e pagar taxas de pesca e de transporte.

“Deixando imediatamente o barco e o pai, eles o seguiram.”
O evangelista ressalta a resposta positiva, imediata e incondicional dos pescadores ao chamado de Jesus. A decisão de seguir alguém comporta sempre, além da confiança naquele que é retido como mestre, um custo social e econômico considerável. Este custo social e econômico aparece na mudança de atividade: tornar-se pescador de homens significa perder seguranças e advertir profeticamente as elites que se banqueteiam indiferentes à ruína dos pobres (cf. Jr 16,16; Am 4,2).
O custo social desta ruptura fica mais explícito no caso dos filhos de Zebedeu. Mateus diz que eles deixam imediatamente “o barco e o pai”, destacando assim a ruptura com os valores e obrigações da família patriarcal e o início de uma família alternativa. Se para a família patriarcal os filhos têm valor de apólice de seguro para a velhice, para a comunidade cristã esta apólice é representada pela adesão a Jesus e pela dedicação à vinda do Reino de Deus.
Na comunidade cristã não se entra legitimamente em busca de asilo afetivo ou de cidadania numa pretensa civilização cristã, mas unicamente para realizar o sentido definitivo da nossa vida: viver relações que nos mantenham solidários/as com os outros, abertos/as ao futuro, sedentos/as de Deus e seu Reino. Sem romper com as velhas e pesadas lealdades que nos amarram aos sistemas de poder que sempre privilegiaram as elites não há como ser autêntico/a discípulo/a de Jesus.
Deus querido, pai e mãe de uma humanidade ferida e sedenta de vida. Te louvamos porque nos enviaste teu filho amado como sinal do teu amor libertador. Ele quis começar sua missão pela periferia do mundo e continua associando à sua missão homens e mulheres pouco influentes mas muito sonhadores. Faz ressoar em nossos ouvidos o convite suave e forte que ele não cessa de fazer. Dá-nos a liberdade que nos faz fortes para romper com os esquemas deste mundo e lançar as sementes de uma nova humanidade, prefigurada em famílias abertas e inclusivas e em comunidades cristãs solidárias e totalmente empenhadas na tarefa de conduzir todas as pessoas e povos à tua única e querida família. E no nos deixe jamais caminhar solitários/as! Amém.
Pe. Itacir Brassiani msf