segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Compaixão resgata a humanidade e tem forç de eternidade

(Dt 30,10-14; Sl 18/19; Cl 1,15-20; Lc 10,25-37)
O Verbo de Deus não cessa de fazer-se carne, mas nós estamos sempre às voltas com a tentação de menosprezar a carne em nome de substantivos e adjetivos. O essencial da vida cristã, mesmo sendo exigente, não é complicado, não se esconde em difíceis fórnulas ou teoremas. Mas precisamos nos livrar da mania dos especialistas: de sempre levantar novas perguntas, de acrescentar novos pontos na discussão já esgotada, de formular conceitos que nos mantêm soberanamente inativos e indiferentes. Esquecemos que Deus ama a terra e a humana carne e preferimos levantar questões sobre a vida eterna. Ignoramos que a ação é a melhor manifestação da vida e agarramo-nos a conceitos que classificam e hierarquizam, desqualificando

o Evangelho e sentindo-nos plenamente justificados.
“Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus...”
Muitas perguntas que fazemos não passam de estratégias para desviar da questão central. Jesus acabara de enviar os discípulos e discípulas – muitos de origem samaritana – em missão e de recebê-los de volta, com o coração cheio de alegria e de novidades para partilhar. Eles haviam anunciado a proximidade do Reino de Deus, curarado doentes, recontruido a paz; hospedaram-se nas casas de pessoas desprezadas e sentaram-se à mesa com elas. Para as pessoas muito religiosas, tudo isso parecia ser coisas demasiadamente corporais, materiais e terrenas.
Entre decepcionado e escandalizado, um doutor da Lei procura testar a ortodoxia de Jesus e recolocá-lo nos trilhos da verdadeira religião. Com a pergunta pela vida eterna, o teólogo do judaísmo quer afastar Jesus das preocupações com a vida cotidiana das pessoas. Considerando também a passagem de Lucas 18,18-30, parece que são especialmente as pessoas que não querem se comprometer com os irmãos e irmãs que levantam a preocupação pela vida eterna. Como se a religião fosse uma espécie de droga para afastar das dificuldades da vida presente.

“O que devo fazer para herdar a vida eterna?”
Nunca faltam pessoas que reduzem a fé a um corpo de doutrinas. Para elas a essência da fé e da prática da religião se resume em aprender corretamente a doutrina e saber distingui-la das heresias e contrapô-la às fórmulas erradas; praticar corretamente as devoções e ritos prescritos; submeter-se formalmente às autoridades do próprio grupo religioso; manter a reta intenção naquilo que fazem; introduzir o nome de Deus na linguagem cotidiana e imagens sacras nos diversos ambientes.
Sabendo da erudição teológica, da estreiteza de horizontes e da má intenção do doutor da Lei, Jesus não se dá ao trabalho de responder à sua pergunta, e pede que o próprio inquisidor responda, o que ele faz com absoluta precisão: a Lei manda amar a Deus com todo o coração, com toda alma e com toda a força e ao próximo como a si mesmo. Jesus apenas chama a atenção para a dimensão prática desta doutrina: “Respondeste corretamente. Faze isso e viverás.” O segredo da vida está na prática e não na prédica!
Jesus não diz que este é o caminho para assegurar a vida eterna, uma vida suplementar e superior depois ou à margem desta vida, mas simplesmente um caminho de vida. A vida eterna é também vida interna à história e, essencialmente, vida terna. Será que sem ternura e sem compaixão dadas ou recebidas a vida merece este nome? Será que a vida não adquire dinamismo de eternidade exatamente no dom terno, compassivo e solidário de si, na ação de aproximar-se daqueles que estão longe?


“E quem é o meu próximo?”
Com a primeira pergunta o doutor da lei queria testar e provar a ortodoxia de Jesus. Fazendo a segunda pergunta, pretende se justificar. A questão do amor a Deus é mais abstrata, manipulável e pouco mensurável. Mas como o amor ao próximo é mais concreto, as autoridades religiosas discutiam incansavelmente sobre a quem se aplica o apelativo ‘próximo’. E a doutrina oficial praticamente identificava o próximo com quem pertencia ao judaísmo, com os membros do próprio grupo.
Mas por trás da tentativa de justificar a estreiteza do seu mundo e a pouca universalidade do seu amor, o doutor da lei escondia a implícita intenção de recriminar a prática inclusiva de Jesus, pois ele acolhia mulheres pecadoras, curava endemoniados gesarenos e enviava discípulos/as a todos os povos. Como judeu que era, Jesus não deveria reservar o pão do Evangelho aos filhos legítimos do judaísmo e evitar desperdiçá-lo com os pagãos, filhos bastardos e cães?
Esta mesma ideologia mortífera ressoa nas perguntas e acusações dirigidas hoje contra alguns agentes e organizações pastorais da Igreja: por que gastar tempo e dinheiro defendendo os direitos humanos dos homosseuxuais, migrantes e presos, em vez de se dedicar aos homens e mulheres de bem? Por que investir tanto em pastoral social em vez de melhorar o templo e o culto? Faz sentido preocupar-se com o ecumenismo e o diálogo inter-religioso se temos tantos católicos ao nosso redor?


“Um homem descria de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes.”
Jesus evita a discussão teórica sobre o próximo e prefere propor uma situação concreta. Há um homem (não se diz se é judeu o pagão) agredido, caído na estrada, necessitado de socorro. Um sacerdote e um levita passam pelo local, enxergam a pessoa caída. Mas não tomam conhecimento de suas necessidades, afastam-se e seguem o caminho exclusivo da atenção às práticas religiosas e aos códigos legais. Aquele sujeito caído na estrada poderia ser alguém que deixara a santa Jerusalém e abandonara a comunidade de fé...
Mas aparece um homem que vivia na Samaria e que, movido pela compaixão, se aproxima da pessoa ferida e, sem perguntar se é ou não é seu próximo, cuida dos ferimentos, carrega-a no próprio animal e convoca outros a completar o cuidado. Uma pessoa que não vinha do Templo e carregava na própria carne a ferida do desprezo e da exclusão foi capaz de perceber a necessidade e se proximar de uma outra pessoa menosprezada e ignorada. O critério que orientadou sua sua ação não foi a pertença religiosa mas a necessidade humana.

“Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”
A verdadeira questão não é saber quem é nosso próximo, mas de quem nos aproximamos com compaixão. E não se trata apenas de uma pergunta dirigia aos indivíduos, mas também às Igrejas e comunidades cristãs. “Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” De que tipo de pessoas e situações nossos líderes religiosos e nossas Igrejas se dedicam solidária e compassivamente enquanto caminham na história? Ou os olhos voltados evasivamente ao céu não lhes permitem ver os homens e mulheres assaltados em sua dignidade e caídos por terra?...
Jesus apresenta uma pessoa socialmente excluída e considerada herética como modelo de humanidade e de religiosidade. Para ele, os sacerdotes e levitas, tidos como pessoas exemplares e absolutamente dignas, são rebaixados ao nível de desumanos e reprováveis. Não lhes falta conhecimento nem fidelidade literal às leis. O que eles não têm é a humana compaixão, este dinamismo vital que impulsiona o movimento de aproximação e leva a superar os muros que dividem, esta força que se rege pela critério da necessidade das pessoas concretas e não pelos seus méritos ou pela pertença religiosa.
Assim, qual é o caminho que conduz a uma vida eterna, à maturidade humana, à fé verdadeira? Estão no caminho da vida eterna as pessoas que se comprometem e se fazem próximas daqueles/as que estão abatidos e cansados à beira do caminho, estejam geograficamente perto ou longe. Estão na vida eterna porque estão com Jesus Cristo. “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fisestes” (Mt 25,40). Façamos isso e viveremos eternamente!

“Ele é o primogênito de toda a criação...”
Na carta aos Colossenses, Paulo nos diz que Jesus é o filho primogênito da criação e a cabeça de um corpo formado de discípulos e discípulas. Como irmão mais velho e cabeça da Igreja, ele é a pedra descartada que se transformou em pedra fundamental, o samaritano que se aproxima de todos os seres humanos assaltados, jogados ao chão e olimpicamente ignorados até pelas pessoas religiosas.
Como seu corpo vivo na história, as Igrejas não podem seguir um caminho diferente. Quem aceita ser discípulo/a de Jesus Cristo acaba se cruzando com os lixões onde jazem as pessoas consideradas indignas ou inúteis pelos sistemas guiados pelo poder e pelo lucro. E o segredo de uma vida plena de sentido e de luz está em descer das abstratas montarias doutrinais e fazer-se próximo dessa gente.
Pe. Itacir Brassiani msf

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