sábado, 11 de setembro de 2010

"Só tu tens palavra eternas, queremos ouvir"

(Ex 32,7-14; Sl 50/51; 1Tm 1,12-17; Lc 15,1-32)(12.09.2010)
“Palavras de salvação somente o céu tem pra dar”, canta o Pe. Zezinho. “Só tu tens palavras eternas, queremos ouvir”, cantamos em nossas comunidades. Estas palavras de salvação e de eternidade são sempre boa notícia que desperta, sustenta, orienta. Mas são tudo, menos palavras fáceis e apaziguadoras. A Palavra de Deus, que se faz grito no clamor dos pobres e interpelação na boca dos profetas, nos chama ao essencial, nos leva ao encontro conosco mesmos, nos coloca nus diante da nossa vocação de cristãos. É palavra de vida eterna exatamente porque nos arranca da comodidade dos esconderijos que construímos com nossos interesses e desculpas. É palavra de salvação porque nos recorda que, aos olhos de Deus, não pode existir senão uma humanidade única e indivisa. E este desejo de Deus se transforma na utopia que move nossos passos.

“Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar.”
Jesus Cristo é a palavra de Deus feita carne defitivamente, o ‘sim’ irrevocável de Deus à humanidade. Nele todas as promessas de Deus se unificam e se deixam tocar. Nele o verbo deixa de ser conceito e se torna ação. Em Jesus Cristo Deus liberta falando e fala libertando. Sua ação libertadora se condensa no resgate da cidadania dos excluídos e a Palavra vivificante se resume no anúncio do início de um tempo regido pela gratuidade e pela compaixão.
Paulo escreve a Timóteo, recolhendo a experiência pessoal e das comunidades, e referindo-se à ação libertadora e gratuita de Deus em Jesus Cristo, diz: “É digna de fé e de ser acolhida por todos esta Palavra...” É isso que, não obstante as severas adevretências de Jesus que meditamos no último domingo, faz com que “todos os publicanos e pecadores” aproximem-se de Jesus para escutá-lo e se confraternizar com ele. Todos queriam ouvir Jesus, convictos de que só ele tinha “palavras eternas”.

“Os fariseus e escribas, porém, murmuravam contra ele.”
A Palavra e a ação de Jesus trazem à tona uma divisão tão real quanto inaceitável: de um lado – que é o lado de fora ou a parte de baixo da pirâmide social – estão os chamados ‘publicanos e pecadores’; e do outro – o lado de dentro ou o topo da pirâmide – estão os considerados justos, aqueles que se dispensam de qualquer movimento de conversão. Na ideologia religiosa de Israel, os primeiros eram da parte do mal, os ímpios ou impuros; os segundos, eram os piedosos e puros, gente de bem.
Com sua palavra e sua ação, Jesus não cria nem aprova esta divisão. Mas também não passa ao largo, não fecha os olhos como se nada existisse. Fiel à sua experiência de Deus, que coincide com a tradição profética, se aproxima e se coloca ao lado do grupo dos pecadores e impuros. E mais: afirma com todas as letras que os últimos são os primeiros, que a pedra rejeitada é a principal peça na construção do Reino de Deus, e que nenhum dos primeiros convidados provará do seu banquete.
É isso que Jesus ilustra com as três eloquentes parábolas do evangelho de hoje. As pessoas tachadas de pecadoras são como uma ovelha perdida, procurada com incomparável empenho pelo pastor. Ou como uma pequena moeda extraviada e procurada incansavelmente por uma dona de casa. O que importa não é o que levou ao extravio, mas a alegria do pastor e da dona de casa que as encontram. “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida... Encontrei a modeda que tinha perdido!”

“E o pai dividiu os bens entre eles...”
Precisamos ser prudentes e inteligentes para não entrar por uma porta inadequada. A terceira parábola não quer focalizar a presumível culpa e o processo de conversão do filho mais jovem. Se fosse assim, a parábola poderia comelar dizendo “um homem tinha um filho desobediente...” Falando de dois filhos, Jesus estabelece uma clara correspondência com os dois grupos que se dividem em relação a ele: os pecadores, que se aproximavam para escutá-lo; os fariseus que murmuravam contra ele.
A parábola parte aparentemente dando razão aos fariseus e escribas. O filho mais novo pede sua parte da herança, vai embora e gasta tudo sem o menor controle. Mas todos os bens pertencem a Deus, que os divide igualmente entre seus filhos. A justiça de Deus porém não se resume nisso; não é uma formalidade fria e cega, indiferente às diferenças e sofrimentos concretos das pessoas.
A situação daquele personagem fictício, empregado na criação de porcos em terra estrangeira, faminto a ponto de desejar alimentar-se com a ração dada aos porcos, ressalta mais sua situação de miséria e exploração que sua culpa. O prostramento é tal que ele acaba se convencendo de que perdeu todos os direitos e se resigna a ser tratado como empregado na casa do próprio pai. Eis a experiência subjetiva dos doentes, estrangeiros, pecadores, mulheres e tantos outros no tempo de Jesus.

“Seu pai o avistou e foi tomado de compaixão.”
Esta palavra de Jesus sublinha que aos olhos de Deus não existe primeiro e terceiro mundos, gente de primeira classe e gente absolutamente desclassificada, filhos/as cheios/as de direitos e filhos/as deserdados/as. Para Deus a humanidade é indivisível. Tendo avistado de longe o filho miserável, antes de qualquer palavra de arrependeimento ou submissão, o pai vai ao seu encontro absolutamente comovido. E quando o filho recita o refrão da culpa introjetada, o pai nem lhe dá ouvidos.
Se há uma reviravolta nesta história, esta é representada pelo pai e não pelo filho. Deus se recusa a aceitar uma humanidade dividada entre uns poucos que se presumem irrepreensíveis, merecedores de todos os bens, e uma multidão que deve repetir o refrão das culpas que lhe atribuem e mendigar a simples sobrevivência. Deus rompe com as regras de uma justiça estreita e escancara as portas de sua casa aos necessitados e pecadores. E não está nem aí com a murmuração dos descontentes.
Infelizmente, por comodidade ou por maldade, continuamos a tolerar um mundo dividido, e raramente nos incomodamos com os 2/3 da humanidade que padece e sobra. E nos justificamos carimbando-os de indolentes e imprevidentes, imorais e impuros, infiéis e irresponsáveis (e tantos outros ‘i’). Na cabeça de muitos/as e na pregação de alguns, Deus é um promotor que acusa, um juíz que condena, um credor que cobra, um rei que não se interessa pela plebe, mesmo que viva pior que seus cães e porcos.

“Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés...”
A missão de Jesus Cristo consiste em abrir as relações sociais e instituições para que todos os seres humanos, a começar pelos últimos, tenham plena cidadania. Como as 100 ovelhas e as 10 moedas formam unidades que não podem ser divididas, para ele a humanidade é uma só, e não contam as diferenças de crença, de nacionalidade, de orientação sexual, de idade, de escolaridade. O que conta e precisa ser mudado é a divisão entre um grupo de privilegiados e uma maioria de excluídos.
Na parábola, as ações aparentemente exageradas do pai sublinham exatamente isso. Ele não se restringe a ajudar o filho a sobreviver: não lhe dá uma roupa qualquer, mas a melhor túnica; não mata um simples novilho, mas o mais gordo; e lhe dá o anel com o brasão da família, assegurando-lhe a dignidade de membro pleno da família. E uma ação de resgate da cidadania e inclusão social como essa precisa ser solenemente festejada, sem dar atenção aos que se recusam a participar.
Na postura e nas palavras do filho mais velho ressoam os protestos e a presunção dos fariseus e escribas de todos os tempos e latitudes. “Estou bem porque trabalhei, acumulei porque economizei. Os demais estão mal porque fizeram por merecer. Que se danem!” Mas, através de sua Palavra, Deus não se cansa de convidar também a estes a participar de sua alegria pelo acesso dos últimos a uma vida mais digna, pela reintegração dos que trazem na pele e na alma as marcas da exclusão.

“Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro...”
Não há santo sem passado, nem pecador sem futuro. Todos necessitamos e dependemos do amor para alcançar a maturidade e a liberdade, e este amor não vem de nós mesmos, mas de fora, dos outros, de Deus. Paulo faz questão de lembrar seu passado de ignorante, blasfemo e perseguidor. Foi pela graça abundante e imerecida de Deus que ele se tornou apóstolo. Jesus Cristo teve paciência com ele, não lhe negou sua misericórdia e fez dele um exemplo digno de ser imitado.
Dirigimo-nos com confiança a ti, Senhor. Tem paciência conosco, mas não permite que nos fechemos em nós mesmos e nos interesses do nosso grupo. Só tu tens palavras de vida, e nós precisamos ouvi-las. Vem ao nosso encontro, toma-nos pela mão e faz que entremos na tua casa e participemos da festa de acolhida daqueles que estavam perdidos e foram encontrados, estavam mortos e voltaram a viver.
Pe. Itacir Brassiani msf

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