Este quarto domingo do tempo pascal é marcado pela bela imagem do bom pastor. É uma metáfora poética que nos conduz ao mundo pastoril e sugere presença, conhecimento, orientação, carinho, ternura, bondade, beleza, segurança. Reunida em torno do ressuscitado e convictos de que ele nos daria quantas vidas tivesse, a comunidade cristã pede a Deus Pai que, apesar de sua fraqueza e suas contradições, busque segurança unicamente no pastor bom e aprenda a reconhecer sua voz na Bíblia e nos sinais dos tempos. E, neste domingo dedicado à oração pelas vocações, também se compromete com a missão de despertar, reconhecer, chamar, formar e enviar as diversas vocações eclesiais.
“Salvai-vos desta geração perversa!”
Longe de nós o desejo de satanizar este mundo real e fugir para um outro mundo tão ideal quanto fantasioso. O mundo dos Osama que aterrorizam e dos Obama que assasinam, dos migrantes africanos que buscam desesprados um paraíso na Europa e que são por ela enxotados, é o mundo concreto, a vida e a carne que o próprio Deus assumiu e redimiu. É neste mundo que estão as sendas que precisamos percorrer para alcançar e produzir a vida. A terra é o caminho para o céu, e não há outro.
A carne é o lugar da salvação, e não há outro, mas é preciso lembrar também que a salvação – a vida realizada plenamente na liberdade e no amor – sendo um dom já presente, é sempre e também uma tarefa que precisa ser assumida. O pecado foi vencido porque foi ferido de morte, mas continua tendo força na história. O mundo, e nele os homens e mulheres concretos, ainda espera ser revestido, transformado, transfigurado. A vida ainda está sendo parida...
A páscoa de Jesus é apenas o começo deste renascimento que está em curso. Ele não é um herói vitorioso e solitário, mas o primogênito de uma nova humanidade. A comunidade eucarística dos discípulos e discípulas que prosseguem seu caminho, depois de dois mil anos de vida, pronuncia ainda as primeiras palavras e dá os primeiros passos, como um recém-nascido. A maior parte do caminho ainda não foi percorrido e nos aguarda, com seus mistérios e suas urgências.
“Irmãos, que devemos fazer?”
“Arrependam-se! Convertam-se! Salvem-se desta geração corrompida!” Estas palavras de Pedro na manhã de Pentecostes, respondendo aos que perguntavam sobre o que deveriam fazer diante da mensagem pascal, ressoam com força ainda hoje e apontam para anecessidade de purificar a memória do passado e de reverter as prioridades do presente, evitando uma acomodação tranquila e medrosa aos velhos e sedutores esquemas deste mundo.
Um mundo que investe em viagens interplanetárias e não se importa com multidões que morrem na miséria, precisa reverter prioridades. Uma Igreja que pretende defender a vida em todas as suas fases mas contemporaniza com os responsáveis pelo império do terror e exerce um poder quase totalitário, precisa urgentemente de conversão. Quando caímos na tentação da indiferença e do distanciamento frente às dores e sonhos das pessoas que vivem à nossa porta, precisamos rever as prioridades.
Não se trata de uma ética de escravos, de um imperativo absoluto que se impõe aos homens e mulheres a quem sobra vontade mas falta possibilidades de realizá-lo. Como cristãos, não ficamos simplesmente olhando com resignação para Jesus de Nazaré, aquele que viveu plenamente uma pró-existência, uma vida inteiramente dedicada aos outros. O mesmo Espírito que dinamizou e sustentou a vida de Jesus Cristo, nos é dado como empoderamento para agir com liberdade, como renovação que vem de dentro.
“Ele chama cada um pelo nome e os leva para fora.”
O dom do Espírito Santo possibilita aos discípulos e discípulas de Cristo, não obstante o tempo e o pecado que os separa, uma relação pessoal com ele. E esta relação começa com a experiência de ser chamado pelo nome, pelo que somos realmente. A Deus não importam as funções hierárquicas, os papéis sociais ou eclesiais, os títulos de crédito ou de honra, as fraquezas éticas e morais, mas unicamente o nome, a realidade humana que subsiste sob todas esta maquiagem ou sujeira.
Reconhecendo esta voz daquele que chama pelo nome, descobrimos que Jesus nos chama e conduz para fora. Ao bom pastor não interessa atrair o rebanho para um redil seguro, mesmo que se chame Igreja. Não lhe agrada conduzir as pessoas a uma vida interior projetada como indiferença para com o mundo exterior. Ele chama pelo nome e conduz aqueles/as que o ouvem para fora de si mesmos e para fora de um sistema que anestesia e, concomitantemente, separa, hierarquiza e aprisiona as pessoas.
O próprio Jesus caminha à nossa frente, livre e solidário, militante e sonhador, cordeiro e pastor. Ele não considera suficiente despertar os homens e mulheres e mostrar-lhes um caminho. Ele se faz caminho e companheiro de caminhada, um pouco à frente para dissipar medos e incertezas, mas sempre próximo para curar feridas e fortalecer nos tropeços. No fim, ele é porta aberta em forma de cruz, passagem-páscoa para a liberdade, seta que aponta para um outro mundo possível e urgente.
Enquanto pastor, além de uma relação personalizada com cada pessoa, Jesus reúne um rebanho, uma comunidade, uma coletividade. O caminho de saída, sem deixar de ser pessoal e tocar a cada um/a, não é individual mas comunitário. Somos ovelhas do seu rebanho, membros de um povo solidário no pecado e na graça. recebemos o bônus e o ônus de estarmos ligados/as a um povo e a um mundo que caminha para a liberdade tropeçando nos próprios pés, mas que que fixa o olhar naquele que vai à sua frente.
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.”
O sonho de Deus, afirmado, firmado e confirmado por Jesus Cristo, é que a vida floresça em todas as dimensões e criaturas. E não se trata de uma vida miúda, apertada, resignada e severina, mas de uma vida abundante, transbordante, de um viver bem (como lembram os povos bolivianos). Não se trata de uma vida que é privilégio de poucos, defendida a ferro e fogo, sonegada àqueles que a procuram e reivindicam, mas de uma vida solidária, compartilhada, acessível a todos/as.
Esta vida não germina senão na terra do dom de si. É entrando e saindo do redil de Jesus Cristo, é vivendo nossa vida como dom que encontraremos pastagem. É na ousadia de ir além dos limites e muros erguidos para defender privilégios e ideologias mesquinhas que encontraremos o alimento que sustenta esta vida tão sonhada quanto realizada. “Vocês são chamados a fazer o bem”, diz Pedro a uma comunidade que tende a se desesperar numa situação de perseguição.
Mas a vida abundante é um milagre que costuma contar com o engajamento crítico de homens e mulheres que, conscientes de serem chamados para fora, não temem sujar as mãos e se engajam na política, nas iniciativas e movimentos que protestam, reivindicam e transformam as estruturas sociais, jurídicas e econômicas. Não há como, em nome da pureza dos princípios, da transcendência dos valores ou da beleza de liturgia, lavar as mãos e cruzar os braços numa indiferença cínica e criminosa.
“A promessa é para vos e vossos filhos, e para todos aqueles que estão longe...”
Na sua mensagem para este Dia de Oração pelas Vocações Bento XVI afirma que Deus continua a chamar, em todas as estações da vida, e que cada comunidade cristã e cada fiel deve assumir o compromisso de promover as vocações, especialmente num contexto em sua voz parece sufocada por outras vozes e propostas aparentemente mais atraentes. “Este empenho no cultivo das vocações é sinal característico da vitalidade de uma Igreja local.”
Nossa prece e nosso apreço pelas vocações precisa ser acompanhado pela evangélica abertura que nos leva a reconhecer, apoiar e promover todas as vocações, cada um dos diversos chamados que Deus dirige hoje aos seus filhos e filhas. É uma imperdoável contradição pedir que Deus que chame pessoas para servir o Reino e, ao mesmo tempo, silenciar ou punir (como ocorreu com Dom William Morris, Bispo de Toowoomba, Austrália) quem aponta para a necessidade de repensar as restrições impostas.
Senhor da messe e pastor do rebanho: faz com que reconheçamos tua voz e tua presença no meio de nós e à nossa frente. Dá-nos a coragem e a liberdade para fazer da Igreja um lugar de passagem, um espaço onde entramos e de onde saímos para transformar o mundo. Concede-nos a fé que leva a pedir mais operários/as para o grande trabalho do Reino, mas também a corajosa liberdade de remover os entulhos de leis e tradições que impedem a tantos irmãos e irmãs realizar sua própria vocação.
Pe. Itacir Brassiani msf
Longe de nós o desejo de satanizar este mundo real e fugir para um outro mundo tão ideal quanto fantasioso. O mundo dos Osama que aterrorizam e dos Obama que assasinam, dos migrantes africanos que buscam desesprados um paraíso na Europa e que são por ela enxotados, é o mundo concreto, a vida e a carne que o próprio Deus assumiu e redimiu. É neste mundo que estão as sendas que precisamos percorrer para alcançar e produzir a vida. A terra é o caminho para o céu, e não há outro.
A carne é o lugar da salvação, e não há outro, mas é preciso lembrar também que a salvação – a vida realizada plenamente na liberdade e no amor – sendo um dom já presente, é sempre e também uma tarefa que precisa ser assumida. O pecado foi vencido porque foi ferido de morte, mas continua tendo força na história. O mundo, e nele os homens e mulheres concretos, ainda espera ser revestido, transformado, transfigurado. A vida ainda está sendo parida...
A páscoa de Jesus é apenas o começo deste renascimento que está em curso. Ele não é um herói vitorioso e solitário, mas o primogênito de uma nova humanidade. A comunidade eucarística dos discípulos e discípulas que prosseguem seu caminho, depois de dois mil anos de vida, pronuncia ainda as primeiras palavras e dá os primeiros passos, como um recém-nascido. A maior parte do caminho ainda não foi percorrido e nos aguarda, com seus mistérios e suas urgências.
“Irmãos, que devemos fazer?”
“Arrependam-se! Convertam-se! Salvem-se desta geração corrompida!” Estas palavras de Pedro na manhã de Pentecostes, respondendo aos que perguntavam sobre o que deveriam fazer diante da mensagem pascal, ressoam com força ainda hoje e apontam para anecessidade de purificar a memória do passado e de reverter as prioridades do presente, evitando uma acomodação tranquila e medrosa aos velhos e sedutores esquemas deste mundo.
Um mundo que investe em viagens interplanetárias e não se importa com multidões que morrem na miséria, precisa reverter prioridades. Uma Igreja que pretende defender a vida em todas as suas fases mas contemporaniza com os responsáveis pelo império do terror e exerce um poder quase totalitário, precisa urgentemente de conversão. Quando caímos na tentação da indiferença e do distanciamento frente às dores e sonhos das pessoas que vivem à nossa porta, precisamos rever as prioridades.
Não se trata de uma ética de escravos, de um imperativo absoluto que se impõe aos homens e mulheres a quem sobra vontade mas falta possibilidades de realizá-lo. Como cristãos, não ficamos simplesmente olhando com resignação para Jesus de Nazaré, aquele que viveu plenamente uma pró-existência, uma vida inteiramente dedicada aos outros. O mesmo Espírito que dinamizou e sustentou a vida de Jesus Cristo, nos é dado como empoderamento para agir com liberdade, como renovação que vem de dentro.
“Ele chama cada um pelo nome e os leva para fora.”
O dom do Espírito Santo possibilita aos discípulos e discípulas de Cristo, não obstante o tempo e o pecado que os separa, uma relação pessoal com ele. E esta relação começa com a experiência de ser chamado pelo nome, pelo que somos realmente. A Deus não importam as funções hierárquicas, os papéis sociais ou eclesiais, os títulos de crédito ou de honra, as fraquezas éticas e morais, mas unicamente o nome, a realidade humana que subsiste sob todas esta maquiagem ou sujeira.
Reconhecendo esta voz daquele que chama pelo nome, descobrimos que Jesus nos chama e conduz para fora. Ao bom pastor não interessa atrair o rebanho para um redil seguro, mesmo que se chame Igreja. Não lhe agrada conduzir as pessoas a uma vida interior projetada como indiferença para com o mundo exterior. Ele chama pelo nome e conduz aqueles/as que o ouvem para fora de si mesmos e para fora de um sistema que anestesia e, concomitantemente, separa, hierarquiza e aprisiona as pessoas.
O próprio Jesus caminha à nossa frente, livre e solidário, militante e sonhador, cordeiro e pastor. Ele não considera suficiente despertar os homens e mulheres e mostrar-lhes um caminho. Ele se faz caminho e companheiro de caminhada, um pouco à frente para dissipar medos e incertezas, mas sempre próximo para curar feridas e fortalecer nos tropeços. No fim, ele é porta aberta em forma de cruz, passagem-páscoa para a liberdade, seta que aponta para um outro mundo possível e urgente.
Enquanto pastor, além de uma relação personalizada com cada pessoa, Jesus reúne um rebanho, uma comunidade, uma coletividade. O caminho de saída, sem deixar de ser pessoal e tocar a cada um/a, não é individual mas comunitário. Somos ovelhas do seu rebanho, membros de um povo solidário no pecado e na graça. recebemos o bônus e o ônus de estarmos ligados/as a um povo e a um mundo que caminha para a liberdade tropeçando nos próprios pés, mas que que fixa o olhar naquele que vai à sua frente.
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.”
O sonho de Deus, afirmado, firmado e confirmado por Jesus Cristo, é que a vida floresça em todas as dimensões e criaturas. E não se trata de uma vida miúda, apertada, resignada e severina, mas de uma vida abundante, transbordante, de um viver bem (como lembram os povos bolivianos). Não se trata de uma vida que é privilégio de poucos, defendida a ferro e fogo, sonegada àqueles que a procuram e reivindicam, mas de uma vida solidária, compartilhada, acessível a todos/as.
Esta vida não germina senão na terra do dom de si. É entrando e saindo do redil de Jesus Cristo, é vivendo nossa vida como dom que encontraremos pastagem. É na ousadia de ir além dos limites e muros erguidos para defender privilégios e ideologias mesquinhas que encontraremos o alimento que sustenta esta vida tão sonhada quanto realizada. “Vocês são chamados a fazer o bem”, diz Pedro a uma comunidade que tende a se desesperar numa situação de perseguição.
Mas a vida abundante é um milagre que costuma contar com o engajamento crítico de homens e mulheres que, conscientes de serem chamados para fora, não temem sujar as mãos e se engajam na política, nas iniciativas e movimentos que protestam, reivindicam e transformam as estruturas sociais, jurídicas e econômicas. Não há como, em nome da pureza dos princípios, da transcendência dos valores ou da beleza de liturgia, lavar as mãos e cruzar os braços numa indiferença cínica e criminosa.
“A promessa é para vos e vossos filhos, e para todos aqueles que estão longe...”
Na sua mensagem para este Dia de Oração pelas Vocações Bento XVI afirma que Deus continua a chamar, em todas as estações da vida, e que cada comunidade cristã e cada fiel deve assumir o compromisso de promover as vocações, especialmente num contexto em sua voz parece sufocada por outras vozes e propostas aparentemente mais atraentes. “Este empenho no cultivo das vocações é sinal característico da vitalidade de uma Igreja local.”
Nossa prece e nosso apreço pelas vocações precisa ser acompanhado pela evangélica abertura que nos leva a reconhecer, apoiar e promover todas as vocações, cada um dos diversos chamados que Deus dirige hoje aos seus filhos e filhas. É uma imperdoável contradição pedir que Deus que chame pessoas para servir o Reino e, ao mesmo tempo, silenciar ou punir (como ocorreu com Dom William Morris, Bispo de Toowoomba, Austrália) quem aponta para a necessidade de repensar as restrições impostas.
Senhor da messe e pastor do rebanho: faz com que reconheçamos tua voz e tua presença no meio de nós e à nossa frente. Dá-nos a coragem e a liberdade para fazer da Igreja um lugar de passagem, um espaço onde entramos e de onde saímos para transformar o mundo. Concede-nos a fé que leva a pedir mais operários/as para o grande trabalho do Reino, mas também a corajosa liberdade de remover os entulhos de leis e tradições que impedem a tantos irmãos e irmãs realizar sua própria vocação.
Pe. Itacir Brassiani msf
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