(Is 25,6-10; Sl 22/23; Fil 4,12-14.19-20; Mt 22,1-14)
Neste segundo domingo do mês dedicado às missões queremos sublinhar o que o Papa Bento XVI diz na mensagem para o Dia Mundial das Missões: todos os povos têm direito a receber o anúncio do Evangelho. Se ouvir o Evangelho é um direito dos povos, anunciá-lo é um dever dos cristãos. E os povos têm direito a um Evangelho testemunhado integralmente e anunciado ecumenicamente, liberto das divisões e deformações provocadas pela história européia. As festas de Nossa Senhora do Rosário (dia 7) e Nossa Senhora Aparecida (dia 12) nos lembram o que significa encarnar a Boa Notícia na própria vida antes de anunciá-lo. E a memória do mártir jesuíta João Bosco Burnier (+12.12.1978) e de todos os/as mártires desta Pátria Grande (dia 11) sublinham que a luta para que todos possam viver bem pode nos levar a perder a própria vida. E não esqueçamos o que nos ensina o poeta, sonhador e humanista Che Guevara (+08.08.1968): a luta pela libertação não tem fronteiras e deve unir firmeza e ternura.
“O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces...”
Qual é a mensagem confiada aos cristãos para que seja anunciada a todos os povos? Não é, em primeiro lugar, uma doutrina bela e pesada, nem uma moral detalhada, mas uma boa notícia radicalmente libertadora: Deus é bom e, como atesta Isaías, promete levantar o véu de luto que cobre a cabeça dos povos e a mortalha que envolve o corpo das nações; sua presença enxuga as lágrimas de todas as faces e convoca e acolhe todos numa festa na qual os alimentos e bebidas são abundantes.
Mediante estas belas metáforas (levantar o véu ou a mortalha, enxugar as lágrimas e preparar uma festa alegre e fraterna), o profeta apresenta o rosto de um Deus que ama apaixonadamente seu povo e cada pessoa, faz aliança com ele e se mantém fiel, intervém ativamente para transformar as situações degradantes e opressivas. Em outras palavras, a mensagem é essencialmente o anúncio de que Deus não se compraz no sofrimento e na punição, nem assiste a história sentado passivamente num trono.
“Mandou seus servos chamar os convidados para a festa.”
O sonho de Deus é que a vida seja uma festa. Mas será que esta festa tem convidados prioritários? Uma leitura desatenta da parábola do evangelho de hoje poderia nos levar a concluir que sim. Para começar, é bom lembrar que esta parábola faz parte do mesmo conjunto literário das duas anteriores (Mt 21,18-32; 21,33-46). O foco temático deste conjunto literário é a rejeição da proposta de Jesus por parte da elite religiosa do judaísmo. As parábolas em questão têm esta elite como destinatário.
Jesus gosta de comparar o Reino de Deus com uma festa. Mas ele constata que nem todas as pessoas aceitam este convite, ou, quando aceitam, o fazem da boca para fora, por pura formalidade. Assim acontece com a liderança religiosa daquele tempo: não lhes agrada a aliança de Deus com a humanidade e, por isso, não dá a menor atenção ao convite que lhes é dirigido. Prefere ficar com leis e ritos que dividem e classificam as pessoas em boas ou más, judias e pagãs, filhos e cães...
Comer e beber juntos significa comungar os propósitos de Deus, e é isso que a elite não aceita. E de nada serve um segundo convite, pois o que pensam ser aqueles servos para interpelar um grupo que se sente superior aos comuns mortais? Ademais, os líderes religiosos não conseguem ver sentido nestas festas que não impõem barreiras, abertas a todas as pessoas. Até que participariam de uma festa, desde que fossem convidados de honra e com o objetivo de celebrar o poder e o privilégio de alguns.
“Ide para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes...”
O convite à festa do Reino é universal: todos os povos, todas as classes sociais, todas as pessoas. Há um grupo que não quer participar, não se importa com o convite e não vai, mas, ao menos da parte de Deus, a festa da Aliança não exclui ninguém. O que Jesus quer sublinhar com esta parábola é que, no pensamento de Deus, o mundo é inclusivo, que há lugar para todos na festa da vida. E ele nos escolhe e envia para fazer seu convite chegar a todos os destinatários.
Eis o dinamismo da missão que compromete a Igreja: anunciar que a festa está preparada e fazer o convite chegar a todas as pessoas, povos e classes. Por isso faz sentido o mandato de ir “para as encruzilhadas dos caminhos”. No mundo judaico, as encruzilhadas são os lugares onde os pobres se reúnem para mendigar, pois a vergonha e a pressão social os empuravam para esta margem. É prosseguindo nesta direção que a missão da Igreja encontra sua originalidade e sua autenticidade.
É bom recordar isso no momento em que a Igreja católica está propondo uma nova evangelização. Além de ser nova no seu método, esta evangelização não pode ser refém de uma visão eurocêntrica, tanto no conteúdo como nos destinatários. Infelizmente a tendência é esta. A ânsia de recuperar o campo perdido pode levar a Igreja a esquecer ou menosprezar as encruzilhadas, onde se encontram os marginalizados do primeiro mundo, e os porões ,e onde são jogados as pessoas do terceiro mundo.
“Como entrates aqui sem o traje da festa?”
Mesmo que o convite não comporte nenhuma forma de exclusão, na festa da vida não se pode entrar de qualquer jeito. Aqueles/as que fazem o convite – os missionários/as e evangelizadores/as de todos os tempos e quadrantes – não discriminam ninguém: convidam bons e maus, judeus e pagãos, homens e mulheres, escravos ou senhores, povo ou elite, negros ou brancos, europeus ou africanos, hétero ou homossexuais... Esta é a tarefa confiada aos mensageiros.
Quanto às pessoas que aceitam o convite e comparecem à festa, estas precisam se perguntar se, por suas atitudes, opções e práticas honram o anfitrião. Aqueles/as que aceitam ser discípulos/as e missionários/as de Jesus Cristo precisam demonstrar com a vida que o são. Não podem tomar a estrada larga e fácil da indiferença e do individualismo. E a Igreja não pode se alegrar ingenuamente com as multidões que lotam seus templos, sem se perguntar pela qualidade do discipulado destes fiéis.
A pergunta “amigo, como entraste aqui sem o traje da festa?” é dirigida a nós, e é séria. Aqui quem está em questão não é mais a elite do judaísmo, mas os ministros e agentes e líderes da Igreja. O sujeito surpreendido com traje inadequado ficou sem palavras, como acontecera com os saduceus questionados por Jesus (cf. Mt 22,34). Infelizmente encontramos gente (padres e leigos) nestas condições em nossas celebrações e demais atividades pastorais ou administrativas...
“Tudo posso naquele que me dá força.”
Os/as missionários/as e evangelizadores/as podem contar com algo mais potente que suas próprias forças e estratégias. Sabemos que somos pessoas como todas as outras, com as mesmas fragilidades e pecados. Apenas não nos conformam com a passividade e a indiferença, e achamos que vale a pena fazer o convite de Deus chegar a todos os destinatários. E isso mesmo que, às vezes, aqueles que aceitam o convite e comparecem à festa (litúrgica) encontrem leis, barreiras e arbitrariedades.
Como experimentou Paulo, o apóstolo das nações, é preciso aprender viver na penúria e na abundância, confiando que Deus, segundo sua generosidade, em Cristo Jesus, proverá magnificamente a todas as nossas necessidades. “Tudo posso naquele que me dá força”, diz o apóstolo. E isso significa que o/a missionário/a é alguém que não pode contar apenas com os recursos pessoais e das estruturas eclesiais. A força e a lucidez indispensáveis vêm de Deus, da Palavra, dos sacramentos.
Mais ainda que os/as missionários/as, quem experimenta a força criativa e inaudita que vem de Deus são os/as mártires. É uma força que os leva a lugares que não pensavam ir, que lhes dá uma coragem que não conheciam, que lhes concede uma sabedoria que nenhum livro é capaz de dar, que suscita neles um amor quase inacreditável e uma sede de justiça que tudo consome.
“Unges com óleo minha cabeça, meu cálice transborda.”
Deus, pai e mãe, que desde sempre preparas a festa da vida e desejas que todos os povos convidados tomem um lugar à tua mesa. Continua e enviar mensageiros/as, a fim de que este convite chegue aos destinatários, especialmente aos porões e quintais do mundo, onde aqueles/as que são tratados/as como últimos estão à espera. Guia os teus enviados/as e restaura as forças deles. Abre a mente e o coração das pessoas convidadas e faz com que tua Igreja mantenha abertas suas portas e janelas a todos os povos, culturas e classes sociais, sem impor condições. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
Neste segundo domingo do mês dedicado às missões queremos sublinhar o que o Papa Bento XVI diz na mensagem para o Dia Mundial das Missões: todos os povos têm direito a receber o anúncio do Evangelho. Se ouvir o Evangelho é um direito dos povos, anunciá-lo é um dever dos cristãos. E os povos têm direito a um Evangelho testemunhado integralmente e anunciado ecumenicamente, liberto das divisões e deformações provocadas pela história européia. As festas de Nossa Senhora do Rosário (dia 7) e Nossa Senhora Aparecida (dia 12) nos lembram o que significa encarnar a Boa Notícia na própria vida antes de anunciá-lo. E a memória do mártir jesuíta João Bosco Burnier (+12.12.1978) e de todos os/as mártires desta Pátria Grande (dia 11) sublinham que a luta para que todos possam viver bem pode nos levar a perder a própria vida. E não esqueçamos o que nos ensina o poeta, sonhador e humanista Che Guevara (+08.08.1968): a luta pela libertação não tem fronteiras e deve unir firmeza e ternura.
“O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces...”
Qual é a mensagem confiada aos cristãos para que seja anunciada a todos os povos? Não é, em primeiro lugar, uma doutrina bela e pesada, nem uma moral detalhada, mas uma boa notícia radicalmente libertadora: Deus é bom e, como atesta Isaías, promete levantar o véu de luto que cobre a cabeça dos povos e a mortalha que envolve o corpo das nações; sua presença enxuga as lágrimas de todas as faces e convoca e acolhe todos numa festa na qual os alimentos e bebidas são abundantes.
Mediante estas belas metáforas (levantar o véu ou a mortalha, enxugar as lágrimas e preparar uma festa alegre e fraterna), o profeta apresenta o rosto de um Deus que ama apaixonadamente seu povo e cada pessoa, faz aliança com ele e se mantém fiel, intervém ativamente para transformar as situações degradantes e opressivas. Em outras palavras, a mensagem é essencialmente o anúncio de que Deus não se compraz no sofrimento e na punição, nem assiste a história sentado passivamente num trono.
“Mandou seus servos chamar os convidados para a festa.”
O sonho de Deus é que a vida seja uma festa. Mas será que esta festa tem convidados prioritários? Uma leitura desatenta da parábola do evangelho de hoje poderia nos levar a concluir que sim. Para começar, é bom lembrar que esta parábola faz parte do mesmo conjunto literário das duas anteriores (Mt 21,18-32; 21,33-46). O foco temático deste conjunto literário é a rejeição da proposta de Jesus por parte da elite religiosa do judaísmo. As parábolas em questão têm esta elite como destinatário.
Jesus gosta de comparar o Reino de Deus com uma festa. Mas ele constata que nem todas as pessoas aceitam este convite, ou, quando aceitam, o fazem da boca para fora, por pura formalidade. Assim acontece com a liderança religiosa daquele tempo: não lhes agrada a aliança de Deus com a humanidade e, por isso, não dá a menor atenção ao convite que lhes é dirigido. Prefere ficar com leis e ritos que dividem e classificam as pessoas em boas ou más, judias e pagãs, filhos e cães...
Comer e beber juntos significa comungar os propósitos de Deus, e é isso que a elite não aceita. E de nada serve um segundo convite, pois o que pensam ser aqueles servos para interpelar um grupo que se sente superior aos comuns mortais? Ademais, os líderes religiosos não conseguem ver sentido nestas festas que não impõem barreiras, abertas a todas as pessoas. Até que participariam de uma festa, desde que fossem convidados de honra e com o objetivo de celebrar o poder e o privilégio de alguns.
“Ide para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes...”
O convite à festa do Reino é universal: todos os povos, todas as classes sociais, todas as pessoas. Há um grupo que não quer participar, não se importa com o convite e não vai, mas, ao menos da parte de Deus, a festa da Aliança não exclui ninguém. O que Jesus quer sublinhar com esta parábola é que, no pensamento de Deus, o mundo é inclusivo, que há lugar para todos na festa da vida. E ele nos escolhe e envia para fazer seu convite chegar a todos os destinatários.
Eis o dinamismo da missão que compromete a Igreja: anunciar que a festa está preparada e fazer o convite chegar a todas as pessoas, povos e classes. Por isso faz sentido o mandato de ir “para as encruzilhadas dos caminhos”. No mundo judaico, as encruzilhadas são os lugares onde os pobres se reúnem para mendigar, pois a vergonha e a pressão social os empuravam para esta margem. É prosseguindo nesta direção que a missão da Igreja encontra sua originalidade e sua autenticidade.
É bom recordar isso no momento em que a Igreja católica está propondo uma nova evangelização. Além de ser nova no seu método, esta evangelização não pode ser refém de uma visão eurocêntrica, tanto no conteúdo como nos destinatários. Infelizmente a tendência é esta. A ânsia de recuperar o campo perdido pode levar a Igreja a esquecer ou menosprezar as encruzilhadas, onde se encontram os marginalizados do primeiro mundo, e os porões ,e onde são jogados as pessoas do terceiro mundo.
“Como entrates aqui sem o traje da festa?”
Mesmo que o convite não comporte nenhuma forma de exclusão, na festa da vida não se pode entrar de qualquer jeito. Aqueles/as que fazem o convite – os missionários/as e evangelizadores/as de todos os tempos e quadrantes – não discriminam ninguém: convidam bons e maus, judeus e pagãos, homens e mulheres, escravos ou senhores, povo ou elite, negros ou brancos, europeus ou africanos, hétero ou homossexuais... Esta é a tarefa confiada aos mensageiros.
Quanto às pessoas que aceitam o convite e comparecem à festa, estas precisam se perguntar se, por suas atitudes, opções e práticas honram o anfitrião. Aqueles/as que aceitam ser discípulos/as e missionários/as de Jesus Cristo precisam demonstrar com a vida que o são. Não podem tomar a estrada larga e fácil da indiferença e do individualismo. E a Igreja não pode se alegrar ingenuamente com as multidões que lotam seus templos, sem se perguntar pela qualidade do discipulado destes fiéis.
A pergunta “amigo, como entraste aqui sem o traje da festa?” é dirigida a nós, e é séria. Aqui quem está em questão não é mais a elite do judaísmo, mas os ministros e agentes e líderes da Igreja. O sujeito surpreendido com traje inadequado ficou sem palavras, como acontecera com os saduceus questionados por Jesus (cf. Mt 22,34). Infelizmente encontramos gente (padres e leigos) nestas condições em nossas celebrações e demais atividades pastorais ou administrativas...
“Tudo posso naquele que me dá força.”
Os/as missionários/as e evangelizadores/as podem contar com algo mais potente que suas próprias forças e estratégias. Sabemos que somos pessoas como todas as outras, com as mesmas fragilidades e pecados. Apenas não nos conformam com a passividade e a indiferença, e achamos que vale a pena fazer o convite de Deus chegar a todos os destinatários. E isso mesmo que, às vezes, aqueles que aceitam o convite e comparecem à festa (litúrgica) encontrem leis, barreiras e arbitrariedades.
Como experimentou Paulo, o apóstolo das nações, é preciso aprender viver na penúria e na abundância, confiando que Deus, segundo sua generosidade, em Cristo Jesus, proverá magnificamente a todas as nossas necessidades. “Tudo posso naquele que me dá força”, diz o apóstolo. E isso significa que o/a missionário/a é alguém que não pode contar apenas com os recursos pessoais e das estruturas eclesiais. A força e a lucidez indispensáveis vêm de Deus, da Palavra, dos sacramentos.
Mais ainda que os/as missionários/as, quem experimenta a força criativa e inaudita que vem de Deus são os/as mártires. É uma força que os leva a lugares que não pensavam ir, que lhes dá uma coragem que não conheciam, que lhes concede uma sabedoria que nenhum livro é capaz de dar, que suscita neles um amor quase inacreditável e uma sede de justiça que tudo consome.
“Unges com óleo minha cabeça, meu cálice transborda.”
Deus, pai e mãe, que desde sempre preparas a festa da vida e desejas que todos os povos convidados tomem um lugar à tua mesa. Continua e enviar mensageiros/as, a fim de que este convite chegue aos destinatários, especialmente aos porões e quintais do mundo, onde aqueles/as que são tratados/as como últimos estão à espera. Guia os teus enviados/as e restaura as forças deles. Abre a mente e o coração das pessoas convidadas e faz com que tua Igreja mantenha abertas suas portas e janelas a todos os povos, culturas e classes sociais, sem impor condições. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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