Pra construir um mundo novo o Senhor nos enviou, Aleluia!”
(At 12,1-11; Sl 33/34; 2Tm 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19)
(At 12,1-11; Sl 33/34; 2Tm 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19)
Estamos nos aproximando do fim do mês dos santos populares. Somos todos/as chamados/as a ser santos e a ser populares. O concílio Vaticano II sublinhou esta vocação à santidade apresentada por Jesus a todos aqueles/as que desejam segui-lo: “Sejam perfeitos como é perfeito o pai de vocês que está no céu” (Mt 5,48). Celebrando São Pedro e São Paulo a comunidade eclesial inteira – leigos e leigas, religiosos e religiosas, diáconos, padres e bispos – recorda dois de seus mais ilustres membros e se propõe a responder de modo criativo e atualizado ao chamado à santidade e a ser povo de Deus. E não esquece de se unir numa suplicante oração pelas testemunhas que, como Pedro e Paulo, são também hoje perseguidas por ousarem viver diferente. Elas descobriram que são enviadas para construir um mundo novo, e querem responder positivamente a esta missão.
“O Senhor esteve ao meu lado e me deu forças”
Pedro teve muita dificuldade de crer em Jesus Cristo, aceitar sua proposta de vida e testemuhá-lo publicamente. Chegou a renegá-lo diante das autoridades. No primeiro momento, Paulo considerou o cristianismo uma heresia e, por isso, perseguiu muitos cristãos e os levou à prisão. Tanto para Pedro como para Paulo, a fé foi um caminho árduo, marcado por crises, rupturas e buscas.
A convocação à santidade é um chamado dirigido a homens e mulheres normais, a pessoas humanas comuns. A santidade supõe a humanidade de cada pessoa e sua vulnerabilidade, se edifica sobre a abertura que ela mantém, e jamais prescinde dela. É no árduo caminho que dá à luz verdadeiros homens e mulheres que s chega a ser santo ou santa. “Pra construir um mundo novo, o Senhor nos enviou, Aleluia!”
Por isso, a santidade não é como uma medalha que coroa o meritório esforço de um atleta numa olimpíada. Na origem da bondade e do amor que serve sempre está a graça de Deus. É ele fortalece na debilidade, perdoa nos tropeços e estimula no desânimo. A santidade não é a dissimulação ou a negação dos limites humanos, mas o próprio mergulho nelas, com o indispensável oxigênio da acolhida que Deus sempre oferece.
“Combati o bom combate!”
Uma pessoa que vive radicalmente sua humanidade, sem negá-la nem menosprezá-la, “faz a diferença”. Ser santo/a é, conceitualmente, “fazer a diferença”, apresentar um mais de integridade, de bondade e de gratuidade nas relações e nas atividades. Mais que a superação das leis da natureza, este é o milagre que encanta, maravilha e seduz.
Mas santidade é também ação, luta, combate. E não qualquer luta ou qualquer ação ou combate. Quando Paulo afirma “Combati o bom combate”, está resumindo uma vida inteira e intensamente dedicada à afirmação e ao resgate da dignidade de escravos dentro do império romano, das pessoas que o judaísmo considerava estrangeiras e das mulheres cultura do seu tempo inferiorizava.
O próprio Pedro, tão dependente da cultura religiosa do judaísmo, teve que romper com alguns princípios fundamentais da sua tradição religiosa e acolher pessoas consideradas pagãs, como o fez na casa do romano Cornélio. Mesmo assim Pedro teve recaídas, e o próprio Paulo teve que denunciar publicamente suas contradições. A santidade não é um caminho de ascensão retilínea. É um combate que se renova em cada nova situação e em cada nova fronteira. “Pra construir um mundo novo, o Senhor nos enviou...”
“Tu és o Messias, o Filho do Deus Vivo!”
Iludimo-nos quando imaginamos que os santos e santas atingiram um alto grau de densidade de vida unicamente através da repetição de orações ou da aceitação mais ou menos passiva de doutrinas ortodoxas. E a nossa relação com eles/as é infantilizadora quando permanece restrita à busca de frases ilustres ou a pedidos de intercessão.
Como Jesus não cansa de insistir, a fé se mostra nas ações concretas, assim como a qualidade da árvore é comprovada pelos frutos. A santidade é mais uma questão de praticar a justiça (ortopráxis) que de aceitar a doutrina (ortodoxia). Quando, no caminho aberto por Pedro, os cristãos reconhecem Jesus Cristo como “Filho do Deus Vivo”, entram no movimento daqueles que re-produzem no próprio tempo e lugar as ações libertadoras de Jesus.
A santidade é essencialmente um aperfeiçoamento do amor, e o amor não é simplesmente sentimento ou pensamento, mas atitude, relação, prática. Os discípulos e discípulas de Jesus Cristo não fariam nenhuma diferença e não provocariam tensões se fossem apenas portadores de idéias e sentimentos divorciados de ações e práticas. São estas últimas que fazem a diferença, transformam e inquietam. “Pra construir um mundo novo, o Senhor nos enviou...”
“Para que eu pudesse anunciar toda a mensagem...”
Mas isso não quer dizer que a ação dispensa o anúncio. A práxis do amor e o testemunho de serviço vão à frente, mas não podemos deixar de anunciar o Nome e o Projeto daquele que nos ama, chama, reúne, envia e sustenta. Não se trata de discutir, e menos ainda de impor, mas de compartilhar uma experiência e propor um caminho. Trata-se de “dar as razões da nossa esperança”, mas sempre com humildade, respeito e discrição. “Pra construir um mundo novo, o Senhor nos enviou...”
A condição de quem avança no caminho da santidade e anuncia o Evangelho é diferente daquela de um/a professor/a que ensina uma doutrina, mesmo que seja uma doutrina correta e importante. É mais próxima da situação de quem sabe que recebeu algo que é maior que ele/a, de quem sente-se como um vaso rústico e frágil que guarda um tesouro precioso. Assim, aceita de bom grado quebrar-se e desaparecer, desde que o tesouro resplandeça, encante e anime.
“Herodes decidiu prender também Pedro...”
Uma certa espiritualidade corre o risco de fazer desaparecer dos santos e santas a humanidade e a conflitividade. Como esquecer que um número considerável de santos e santas foram barbaramente martirizados? Como olvidar que muitos personagens que hoje ocupam os altares dos templos foram considerados incômodos e até hereges pelas autoridades religiosas e políticas? Não é verdade que a santidade vem sempre de mãos dadas com o poder e recebe seus aplausos...
Ao lado e complementarmente a uma profunda liberdade e a uma grande bondade relacional, a santidade tem hoje de novo um componente marcadamente político. Homens e mulheres verdadeiramente santos/as – mesmo que não se apresentem como pessoas religiosas – experimentam a execração pública e a frieza das celas, como Pedro, Paulo e tantos outros/as. Novos discípulos e discípulas continuam sendo gerados nas catacumbas e masmorras, nos desertos e periferias, nas ruas e nas praças...
“Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”
Temos o direito e o dever de celebrar nossos santos e santas. Rosa, Antônio, Luís, Madalena, João Batista, Maria, Tomas, Pedro e Paulo são irmãos e irmãs que nos antecederam e dos quais herdamos a coragem de sonhar e de transformar os sonhos em realidade histórica. Com eles e elas formamos uma Igreja santa, uma comunidade eclesial que traz no seu próprio DNA a vocação de ser povo e de ser santa.. Eles/as não deixam que se apague aquilo que todos somos chamados/as a ser. “Pra construir um mundo novo, o Senhor nos enviou...”
Celebrando Pedro e Paulo, aprendamos deles a combater o bom combate e a fazer a fé frutificar. É sobre a fé frutuosa e coerente de cada membro do povo de Deus que Jesus edifica sua Igreja. Perseveremos no caminho que eles fizeram: na partilha do pão, na comunhão orante, na prioridade dos pequenos, na doação sem limites, no testemunho de serviço, na confiança radical naquele que nos fortalece. E peçamos que eles não deixem que a Igreja e seus membros se conformem com os esquemas violentos e cínicos deste mundo.
Pe. Itacir Brassiani msf
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