(Eclo 3,19-21.30-31; Sl 67/68; Hb 12,18-24; Lc 14,1.7-14)(29 de agosto 2010)
O hábito entrou na sociedade e na Igreja, e hoje repetimos a expressão quase inconscientemente: basta que uma pessoa exerça alguma função de autoridade e nós a tratamos como Excelência. E se a função for eclesiástica e alta, acrescentamos Revendíssima. A estas pessoas são reservados or primeiros lugares e todas as honras, não importando aquilo que realmente fazem ou são. E o pior acontece quando tais honoráveis excelências cobram respeito ao seu status e quando isso é ensinado como se fosse Evangelho de Jesus Cristo. Definitivamente, esta não é uma atitude inspirada no Evangelho. A catequese de Jesus passa longe disso. Continua válido, depois de 2200 anos, o ensinamento de Jesus Ben Sirac: “Para as chagas dos soberbos não há cura, pois a planta do pecado se enraíza neles e nem é percebida.”
“Jesus foi convidado a comer na casa de um dos chefes dos fariseus.”
Jesus não perde oportunidade na sua tarefa de catequista. Ele propõe uma inversão radical da escala dos valores da sociedade e da religião do seu tempo, e não se cala nem mesmo na casa de uma autoridade moral, em pleno jantar festivo para o qual havia sido convidado. Jesus desenvolve a lição de catequese cristã que acabamos de ouvir, logo depois de afirmar que as necessidades de uma pessoa estão acima das leis, num solene dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus.
Sua catequese é concreta e ligada aos fatos. Ele aproveita a presença de um homem doente para discutir o limite das leis e instituições. E quando vê que os convidados para uma refeição se apressam em ocupar os primeiros lugares, propõe uma reflexão sobre o orgulho e a humildade. Sua catequese não é sobre as regras de boas maneiras a serem observadas numa refeição solene, mas sobre um princípio nucleador da vida cristã. Como modelo de catequista, ele não fica na periferia das coisas.
“Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares.”
Como catequistas, devemos estar atentos e lúcidos diante dos privilégios que a sociedade concede e a própria tradição justifica e ensina. Já em 1965 Dom Helder Camara dizia que o maior perigo que nos ameaça é querer sempre vencer e jamais fracassar, sentir-se sempre querido e nunca sobrar. Com profunda delicadeza e sinceridade, ele mostrou a Dom Eugênio que, “mais grave ainda do que ser apanhado pela engrenagem do dinheiro, é ser apanhado pela engrenagem do prestígio”.
É ainda nosso pequeno Helder e grande profeta que lamenta que homens santos e corajosos como João XXIII e Paulo VI não tenham conseguido se livrar “do peso morto terrível e da pedra de escândalo das tradições do Vaticano”. E deabafa: “Não acreditem que Paulo VI não se sinta profundamente mal ao sentar-se no trono e ver um Monsenhor, ajoelhado, colocando-lhe um travesseiro debaixo dos pés enquanto dois outros acomodam-lhe a capa, como se ajeitassem uma velha rainha.”
É verdade que na Igreja nem sempre são as próprias pessoas constituídas em autoridade que buscam os privilégios, embora isso também ocorra. Mas precisamos superar uma certa tradição, que continua se reproduzindo com a ajuda da nossa passividade: sem perder o respeito devido às pessoas, é hora de erradicar o sagrado e pouco evangélico hábito de vincular as autoridades às engrenagens do dinheiro e do prestígio, de considerá-las acriticamente reverendas excelências.
“Quando ofereceres um almoço ou um jantar...”
Jesus avança na sua catequese e passa da crítica do orgulho e dos privilégios à questão dos beneficiários da nossa atividade . Ele parte de um costume doméstico que vigora também entre nós: quando organizamos uma festa, no topo da lista dos convidados estão os familiares, os parentes, os amigos e os vizinhos. Isso faz parte das boas maneiras e continua válido no nível interpessoal, mas este círculo é muito estreito quando se trata do horizonte da nossa missão enquanto comunidade eclesial.
Da mesma forma que o cristão rejeita resolutamente a busca de honras e vaidades e busca decididamente o lugar reservado aos servidores, assim também, como pessoa e como Igreja, precisamos superar a lógica da troca compensatória: servir, apoiar e defender aqueles que têm mais possibilidades de compensar em moeda e em honras o nosso serviço. A Igreja não pode ter outra prioridade senão amar e servir Jesus Cristo crucificado nos excluídos que se contam aos milhões e estão por todo lado.
No primeiro momento Jesus fala aos hóspedes que estavam com ele à mesa, ensinando que “todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Depois se dirige ao próprio anfitrião que o acolhe, questionando sua expectativa de retribuição. Orgulho e a busca de retribuição não são posturas enraizadas no Evangelho. Não é o nome deste tipo de pessoas que Jesus diz sorrindo, e não é a elas que ele costuma confiar sua missão.
“Estes não têm como te retribuir!”
Precisamos nos convencer de que é profundamente desgastante e infantilizador viver de privilégios e depender de compensações. O caminho que dá acesso às honras e privilégios geralmente passa pela subserviência humilhante e é acompanhado por um medo aterrador e por um apego doentio aos bens e a toda sorte de títulos. Não é por nada que Francisco de Assis se encontra ao mesmo tempo a minoridade e com a pobreza. Abraçando uma ele acaba desposando também a outra.
Aproveitando a memória de sua morte de Dom Helder (27.08.1999), voltemos à sua sabedoria. “Não te diz a experiência que quando vem a morte em geral sucede o inverso do que se esperava: os que proclamam ausência de medo tremem, se inquietam, se assustam, ao passo que a recebem tranquilos os humildes que tremiam?...” Quem perdeu ou distribuiu tudo com generosidade, experimenta o que é ser livre e não teme perder nada. E se não espera nenhuma retribuição, alcançou a maturidade.
Jesus propõe a substituição dos grupos de pessoas que costumam aparecer no topo das nossas listas de festas: os pobres, aleijados, coxos e cegos devem ser os primeiros. É claro que Jesus não quer estragar nossa festa, mas questionar a estreiteza das fronteiras que traçamos entre os que são dos nossos e os outros e problematizar a busca de compensações que costuma reger nossas pequenas e grandes ações. A verdadeira felicidade consiste em dar generosamente, sem cobrar dividendos na terra ou no céu.
“Pelos humildes ele será exaltado.”
A motivação mais profunda desta inversão radical que Jesus nos propõe não tem a ver com ódio às pessoas bem-sucedidas ou às autoridades, nem com o apreço pelo que é feio e baixo. A motivação lança suas raízes no próprio Deus, cujo coração se move de compaixão pelos pobres e oprimidos. O salmo 67/68 celebra: “Pai dos órfãos e defensor das viúvas, assim é Deus na sua santa morada. Aos desprezados Deus dá uma casa para morar, faz sair com alegria os prisioneiros...”
A este propósito, a escritura ensina: “Sê misericordioso com os órfãos como um pai, e como um esposo para suas mães; e serás como um filho obediente do Altíssimo...” (Eclo 4,10-11). Por isso “quem oferece um sacrifício com os bens dos pobres é como quem imola um filho na presença do pai. A vida dos pobres é o pão que necessitam; quem dele os priva é um assassino. Quem subtrai o pão do suor é como quem mata o seu próximo; derrama sangue quem defrauda o assalariado” (Eclo 34,24-27).
Tanto Maria como Jesus nos ensinam que Deus humilha aqueles/as que se extaltam e exalta os/as humilhados/as. Mas não é só isso. São os humildes que realmente honram a Deus e penetram seus mistérios em profundidade. E nós honramos realmente a Deus quando nos tornamos semelhantes a ele no seu amor preferencial e solidário pelos últimos. E assassinamos os pobres quando, como pessoas, como Igreja ou como nação, ignoramos ou pisoteamos seus direitos.
“Amigo, vem para um lugar melhor!”
A recompensa para quem segue a via proposta e trilhada por Jesus é dada na ressurreição dos justos. Em outras palavras: a felicidade que ninguém pode roubar é esta que conquistamos – ou recebemos de graça! – entrando pela estreita porta da humildade e da generosidade. É a alegria profunda que experimentamos quando ouvimos da boca dos porta-vozes da vida o convite: “Amigo/a, vem para um lugar melhor!” Nestes momentos descobrimos que Deus pronuncia nosso nome sorrindo.
É bom acolher esta palavra forte e iluminadora de Deus no domingo dedicado às catequistas. Sorrindo, Jesus as chama pelo nome para esta missão. Oxalá possam ensinar com a vida e com a palavra a lição que Jesus nos dá neste domingo. E, depois de ocupar por anos e anos um lugar considerado por muitos como secundário, possam escutar o mestre dizendo: “Amiga, vem para um lugar melhor!”
Pe. Itacir Brassiani msf
O hábito entrou na sociedade e na Igreja, e hoje repetimos a expressão quase inconscientemente: basta que uma pessoa exerça alguma função de autoridade e nós a tratamos como Excelência. E se a função for eclesiástica e alta, acrescentamos Revendíssima. A estas pessoas são reservados or primeiros lugares e todas as honras, não importando aquilo que realmente fazem ou são. E o pior acontece quando tais honoráveis excelências cobram respeito ao seu status e quando isso é ensinado como se fosse Evangelho de Jesus Cristo. Definitivamente, esta não é uma atitude inspirada no Evangelho. A catequese de Jesus passa longe disso. Continua válido, depois de 2200 anos, o ensinamento de Jesus Ben Sirac: “Para as chagas dos soberbos não há cura, pois a planta do pecado se enraíza neles e nem é percebida.”
“Jesus foi convidado a comer na casa de um dos chefes dos fariseus.”
Jesus não perde oportunidade na sua tarefa de catequista. Ele propõe uma inversão radical da escala dos valores da sociedade e da religião do seu tempo, e não se cala nem mesmo na casa de uma autoridade moral, em pleno jantar festivo para o qual havia sido convidado. Jesus desenvolve a lição de catequese cristã que acabamos de ouvir, logo depois de afirmar que as necessidades de uma pessoa estão acima das leis, num solene dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus.
Sua catequese é concreta e ligada aos fatos. Ele aproveita a presença de um homem doente para discutir o limite das leis e instituições. E quando vê que os convidados para uma refeição se apressam em ocupar os primeiros lugares, propõe uma reflexão sobre o orgulho e a humildade. Sua catequese não é sobre as regras de boas maneiras a serem observadas numa refeição solene, mas sobre um princípio nucleador da vida cristã. Como modelo de catequista, ele não fica na periferia das coisas.
“Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares.”
Como catequistas, devemos estar atentos e lúcidos diante dos privilégios que a sociedade concede e a própria tradição justifica e ensina. Já em 1965 Dom Helder Camara dizia que o maior perigo que nos ameaça é querer sempre vencer e jamais fracassar, sentir-se sempre querido e nunca sobrar. Com profunda delicadeza e sinceridade, ele mostrou a Dom Eugênio que, “mais grave ainda do que ser apanhado pela engrenagem do dinheiro, é ser apanhado pela engrenagem do prestígio”.
É ainda nosso pequeno Helder e grande profeta que lamenta que homens santos e corajosos como João XXIII e Paulo VI não tenham conseguido se livrar “do peso morto terrível e da pedra de escândalo das tradições do Vaticano”. E deabafa: “Não acreditem que Paulo VI não se sinta profundamente mal ao sentar-se no trono e ver um Monsenhor, ajoelhado, colocando-lhe um travesseiro debaixo dos pés enquanto dois outros acomodam-lhe a capa, como se ajeitassem uma velha rainha.”
É verdade que na Igreja nem sempre são as próprias pessoas constituídas em autoridade que buscam os privilégios, embora isso também ocorra. Mas precisamos superar uma certa tradição, que continua se reproduzindo com a ajuda da nossa passividade: sem perder o respeito devido às pessoas, é hora de erradicar o sagrado e pouco evangélico hábito de vincular as autoridades às engrenagens do dinheiro e do prestígio, de considerá-las acriticamente reverendas excelências.
“Quando ofereceres um almoço ou um jantar...”
Jesus avança na sua catequese e passa da crítica do orgulho e dos privilégios à questão dos beneficiários da nossa atividade . Ele parte de um costume doméstico que vigora também entre nós: quando organizamos uma festa, no topo da lista dos convidados estão os familiares, os parentes, os amigos e os vizinhos. Isso faz parte das boas maneiras e continua válido no nível interpessoal, mas este círculo é muito estreito quando se trata do horizonte da nossa missão enquanto comunidade eclesial.
Da mesma forma que o cristão rejeita resolutamente a busca de honras e vaidades e busca decididamente o lugar reservado aos servidores, assim também, como pessoa e como Igreja, precisamos superar a lógica da troca compensatória: servir, apoiar e defender aqueles que têm mais possibilidades de compensar em moeda e em honras o nosso serviço. A Igreja não pode ter outra prioridade senão amar e servir Jesus Cristo crucificado nos excluídos que se contam aos milhões e estão por todo lado.
No primeiro momento Jesus fala aos hóspedes que estavam com ele à mesa, ensinando que “todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Depois se dirige ao próprio anfitrião que o acolhe, questionando sua expectativa de retribuição. Orgulho e a busca de retribuição não são posturas enraizadas no Evangelho. Não é o nome deste tipo de pessoas que Jesus diz sorrindo, e não é a elas que ele costuma confiar sua missão.
“Estes não têm como te retribuir!”
Precisamos nos convencer de que é profundamente desgastante e infantilizador viver de privilégios e depender de compensações. O caminho que dá acesso às honras e privilégios geralmente passa pela subserviência humilhante e é acompanhado por um medo aterrador e por um apego doentio aos bens e a toda sorte de títulos. Não é por nada que Francisco de Assis se encontra ao mesmo tempo a minoridade e com a pobreza. Abraçando uma ele acaba desposando também a outra.
Aproveitando a memória de sua morte de Dom Helder (27.08.1999), voltemos à sua sabedoria. “Não te diz a experiência que quando vem a morte em geral sucede o inverso do que se esperava: os que proclamam ausência de medo tremem, se inquietam, se assustam, ao passo que a recebem tranquilos os humildes que tremiam?...” Quem perdeu ou distribuiu tudo com generosidade, experimenta o que é ser livre e não teme perder nada. E se não espera nenhuma retribuição, alcançou a maturidade.
Jesus propõe a substituição dos grupos de pessoas que costumam aparecer no topo das nossas listas de festas: os pobres, aleijados, coxos e cegos devem ser os primeiros. É claro que Jesus não quer estragar nossa festa, mas questionar a estreiteza das fronteiras que traçamos entre os que são dos nossos e os outros e problematizar a busca de compensações que costuma reger nossas pequenas e grandes ações. A verdadeira felicidade consiste em dar generosamente, sem cobrar dividendos na terra ou no céu.
“Pelos humildes ele será exaltado.”
A motivação mais profunda desta inversão radical que Jesus nos propõe não tem a ver com ódio às pessoas bem-sucedidas ou às autoridades, nem com o apreço pelo que é feio e baixo. A motivação lança suas raízes no próprio Deus, cujo coração se move de compaixão pelos pobres e oprimidos. O salmo 67/68 celebra: “Pai dos órfãos e defensor das viúvas, assim é Deus na sua santa morada. Aos desprezados Deus dá uma casa para morar, faz sair com alegria os prisioneiros...”
A este propósito, a escritura ensina: “Sê misericordioso com os órfãos como um pai, e como um esposo para suas mães; e serás como um filho obediente do Altíssimo...” (Eclo 4,10-11). Por isso “quem oferece um sacrifício com os bens dos pobres é como quem imola um filho na presença do pai. A vida dos pobres é o pão que necessitam; quem dele os priva é um assassino. Quem subtrai o pão do suor é como quem mata o seu próximo; derrama sangue quem defrauda o assalariado” (Eclo 34,24-27).
Tanto Maria como Jesus nos ensinam que Deus humilha aqueles/as que se extaltam e exalta os/as humilhados/as. Mas não é só isso. São os humildes que realmente honram a Deus e penetram seus mistérios em profundidade. E nós honramos realmente a Deus quando nos tornamos semelhantes a ele no seu amor preferencial e solidário pelos últimos. E assassinamos os pobres quando, como pessoas, como Igreja ou como nação, ignoramos ou pisoteamos seus direitos.
“Amigo, vem para um lugar melhor!”
A recompensa para quem segue a via proposta e trilhada por Jesus é dada na ressurreição dos justos. Em outras palavras: a felicidade que ninguém pode roubar é esta que conquistamos – ou recebemos de graça! – entrando pela estreita porta da humildade e da generosidade. É a alegria profunda que experimentamos quando ouvimos da boca dos porta-vozes da vida o convite: “Amigo/a, vem para um lugar melhor!” Nestes momentos descobrimos que Deus pronuncia nosso nome sorrindo.
É bom acolher esta palavra forte e iluminadora de Deus no domingo dedicado às catequistas. Sorrindo, Jesus as chama pelo nome para esta missão. Oxalá possam ensinar com a vida e com a palavra a lição que Jesus nos dá neste domingo. E, depois de ocupar por anos e anos um lugar considerado por muitos como secundário, possam escutar o mestre dizendo: “Amiga, vem para um lugar melhor!”
Pe. Itacir Brassiani msf