quinta-feira, 12 de agosto de 2010

"Senhor, tu olhastes em meus Olhos..."

(Ap 11,19.12,1-6; Sal 44/45; 1Cor 15,20-27; Lc 1,39-56)

A Assunção de Nossa Senhora é uma festa litúrgica mariana que, para as comunidades do Brasil, está ligada à semana dedicada à vocação à vida religiosa. Mas aquilo que cremos sobre Maria não se limita aos religiosos e religiosas: de alguma forma se refere a todos os homens e mulheres, à comunidade eclesial, ao povo de Deus. A glorificação de Nossa Senhora, sua realização plena em Deus, é uma vocação e uma promessa extensivas a toda a humanidade. Como Maria, todos nascemos para a glória e para o brilho e descobrimos que, olhando-nos nos olhos, Deus nos chama sorrindo pelo nome. Nela a pessoa humana em sua integridade – em corpo e alma! – é assumida e realizada em Deus. E esta é também uma proclamação clara e inequívoca da dignidade do corpo.


“Feliz aquela que acreditou!”
No Magnificat Maria aparece como uma pessoa humilde e humilhada. E Lucas a apresenta como uma mulher que sabe ouvir a Palavra viva de Deus e que está pronta a dar o melhor de si para que essa Palavra se realize na história. Isabel acrescenta que Maria é alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade daquele que a pronuncia. Obviamente, não se trata de uma palavra escrita na Bíblia, mas de uma mensagem eloquente escrita nos acontecimentos.
A humildade, a escuta e a fé estão intrinsecamente relacionadas e são as marcas fundamentais da personalidade de Maria. Se Deus pôde realizar grandes coisas nela e através dela é porque encontrou a base humana indispensável já preparada. Não fazemos bem quando idealizamos Maria a ponto de desumanizá-la completamente. Para fazer-se humano o Filho de Deus precisou de uma pessoa fundamentalmente humana, e não de criaturas angélicas!
Humildade, atitude de escuta e fé na ação misericordiosa e libertadora de Deus são os elementos que possibilitam uma vida feliz. É importante lembrar que o segredo da felicidade que todos buscamos não está na posse ou no consumo de bens, nem na fama ou no sucesso que alcançamos ou ainda no poder de atração que exercemos sobre os outros, mas na abertura humilde e profunda aos outros, ao futuro e a Deus. “Feliz aquela que acreditou...”


“Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes”
O Evangelho diz que, depois da experiência de ser amada e de receber a tarefa de dar à luz aquele que é a Luz do mundo, Maria vai apressadamente à casa de Isabel. Busca um sinal que confirmasse a parceria de Deus com os humildes e sua aliança com os pobres. Ela havia dado sua palavra Àquele que é capaz de fazer grandes coisas em favor do povo humilhado, mas nem tudo estava claro. A discípula se faz serva, a serva se mostra peregrina e a peregrina experimenta a hospitalidade na casa de Isabel.
Na casa de Isabel, enquanto Zacarias permanece mudo e à margem de tudo, duas mulheres louvam a Deus e profetizam. A discípula, serva e peregrina se transforma em profetiza destemida. Contemplando sua própria história e a epopéia do seu povo, Maria percebe e proclama a intervenção libertadora de Deus: ele dispersa os soberbos, derruba os poderosos, eleva os humildes e oprimidos, socorre seu povo e estende sua misericórdia a todas as gerações.
É importante não esquecer que Maria, esta mulher assunta ao céu, não é apenas uma humilde trabalhadora do lar, uma pessoa discreta que acredita em Deus, uma doce e recatada esposa de um carpinteiro. Deus assume em corpo e alma e eleva à glória do céu uma mulher que rompe com os costumes que menosprezam a mulher e a mantém calada, que diz uma palavra profética na arena pública, que proclama uma revolucionária intervenção de Deus sobre a história.


“E bendito é o fruto do teu ventre!”
No encontro entre Maria e Isabel o corpo festeja e é festejado. É bendito o corpo feminino de Maria, assim como bendito é o corpo que ela carrega no ventre. Bendito é o corpo de Isabel, capaz de perceber a incontida alegria daquele que preparará a estrada para a chegada do Messias, e bendito é o corpo dos mártires de todos os tempos. Bendito é também o corpo dos humilhados e dispensados, destinados por Deus desde sempre ao brilho.
A festa da Assunção de Maria sublinha de forma contundente a dignidade do corpo, de todos os corpos. Mas é uma proclamação da dignidade especialmente dos corpos humilhados por uma cultura que os transforma em meios de produção, em objetos vendidos e comprados, em produtos expostos nas vitrines e passarelas, sem brilho e sem beleza. É também o reconhecimento da beleza e da nobreza dos corpos doentes e envelhecidos pelo tempo, assim como do corpo eclesial dos muitos e diferentes membros.


“Um grande sinal apareceu no céu...”
Mas é importante lembrar que Maria, sendo discípula e membro da Igreja, é também sinal e símbolo do povo de Deus, da imensa caravana dos homens e mulheres de boa vontade, sonhadores de um outro mundo. Sua assunção é um sinal e uma parábola da ressurreição que todos esperamos. O livro do Apocalipse sublinha este aspecto de sinal ou símbolo. Como ela, a humanidade está em trabalho de parto e, mesmo ameaçada por todos os lados, vai dando à luz um Homem Novo e construindo um Mundo Novo.
Mas não esqueçamos um outro aspecto também relevante: Maria simboliza uma Igreja com traços femininos. A Igreja é chamada a construir-se como corpo que acolhe, aquece, alimenta, ensina, respeita e favorece o crescimento e o amadurecimento dos filhos e filhas. Uma Igreja institucionalmente rígida, fechada, autoritária, legalista e doutrinária não tem pouca relação com a figura feminina de Maria. Seria uma Igreja fechada, que não crê, uma Igreja infeliz. Uma Igreja com nome feminino e corpo masculino...


“O menino pulou de alegria no meu ventre...”
A festa da Assunção de Maria recorda e proclama que a Igreja, esse povo de Deus sem fronteiras definidas, formado por todos os homens e mulheres de boa vontade, é assumido por Deus como seu corpo e meio de ação na história. A Igreja precisa se compreender como povo de Deus em marcha, que não pode construir aparatos pesados porque não tem aqui sua morada definitiva. E precisa superar todas os sinais de exclusivismo, esta tentação de traçar fronteiras entre cristãos e não-cristãos.
É verdade que não há oposição irreconciliável entre o Espírito e as estruturas. Deus assume as estruturas e leis limitadas da história e das instituições para pôr em movimento sua obra libertadora. Mas cabe à Igreja avaliar constantemente seus instrumentos e estruturas, subordinando-os à ação e aos interesses de Deus e não aos seus próprios interesses e medos. Fora disso seu corpo se enrijece, envelhece, perde vitalidade. E se torna incapaz de promover salvação e liberdade.
Inspirada em Maria, a Igreja precisa criar espaços e condições favoráveis ao desenvolvimento de homens e mulheres maduros, livres, despojados, solidários e comprometidos com a salvação do mundo. Um corpo que se impõe pelo medo e pela lei está condenado à esterilidade e nunca terá a graça de sentir os filhos e filhas saltarem de alegria no seu ventre. É um corpo que não conhece a felicidade, um túmulo de homens e mulheres que não chegam a nascer verdadeiramente.


“A mulher fugiu para o deserto...”
Com a celebração deste terceiro domingo do mês vocacional iniciamos a semana que propõe a reflexão sobre o chamado à vida religiosa e somos convidados a refletir sobre o lugar e o significado da vida consagrada na Igreja e na sociedade. Como a de Maria, esta vocação não é externa e nem superior à Igreja: ela nasce no seu coração e está a serviço da sua missão. Como carisma específico do corpo eclesial, a vida religiosa está a seu serviço. Nasce de um chamado gratuito para servir gratuitamente.
Na sua origem está a experiência mariana de um Deus que olha nos olhos e sorrindo nos chama pelo nome. Ou uma experiência como aquela de Isabel: o corpo estremece de alegria por receber inesperadamente Deus na própria casa. Não se trata primariamente de um caminho de purificação moral ou de desprezo do mundo, mas de plenitude de uma graça que não cobra méritos. Dá de graça aquilo que de graça recebeu.
Partindo daqui, a vida consagrada faz-se ouvinte da Palavra, cresce como servidora e amadurece como profecia. Como Maria, as pessoas consagradas são chamadas a proclamar com a vida e com a palavra que nada pode ser colocado acima do amor pessoal a Jesus Cristo e aos pobres nos quais ele vive. Inspirada pela mulher do Apocalipse, a vida religiosa é chamada a atuar nos desertos (onde tudo parece sem sentido), nas periferias (onde não há poder) e nas fronteiras (onde tudo precisa ser reinventado).
Pe. Itacir Brassiani msf

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