(Sb 18,6-9; Sl 32/33; Hb 11,1-2.8-19; Lc 12,32-48)(08 de agosto 2010)
A proposta do mês vocacional nos convida a refletir, na segunda semana que ora iniciamos, sobre a vocação dos pais e da família. Mas é interessante lembrar também algumas figuras cuja memória é celebrada nestes dias: o religioso mendicante e fundador São Domingos (+06/08/1221); a filósofa judia e mártir carmelita Edith Stein (+09/08/1942); Frei Tito, religioso cearense, preso e torturado pela ditadura militar brasileira (+10/08/1974); Santa Clara (+11/081253), amiga de São Francisco e fundadora das clarissas; a agricultora e sindicalista nordestina Margarida Alves (+12/08/1983); a testemunha do amor de Deus entre os sofredores de rua, Pe. Alfredinho Kunz (+12/08/2000). Todos/as nos deixaram, cada um/a seu modo, o testemunho de uma vida vigilante, ativa e serviçal na espera do Reino de Deus.
“Não tenhas medo, pequeno rebanho.”
Podemos dizer que o cristianismo é hoje um pequeno rebanho? Os fiéis espalhados no mundo e vinculados às diferentes confissões cristãs são mais de um bilhão, e isso faz do cristianimo a maior religião da atualidade. Do ponto de vista estatístico, não somos um pequeno rebanho, mas uma grande multidão. Mesmo sendo verdade que estamos diminuindo na Europa, o crescimento nos continentes africano e asiático continua mantendo nosso sentimento de superioridade.
Mas esta hegemonia numérica pode não significar muito do ponto de vista da fidelidade ao evangelho. O próprio Jesus não se deixava impressionar com as pequenas multidões que o seguiam, despertadas pelos sinais que realizava. Os discípulos e discípulas que entenderam o que significava crer em Jesus e seguir seus passos eram poucos, e mesmo esta minoria acabou abandonando-o quando foi acusado, preso, torturado e crucificado. Tudo recomeçou a partir de um pequeno rebanho fiel e corajoso.
“Onde estiver o vosso tesouro, aí está também o vosso coração.”
Quem crê em Jesus Cristo e segue seus passos tem um tesouro pelo qual está disposto a relativizar tudo o mais: o Reino de Deus. Estamos ainda lembrados que, no evangelho do domingo passado, Jesus nos advertia contra a tentação da ganância: o entesouramento de riquezas calcado na indiferença para com a sorte dos oprimidos que nos interpelam com sua simples presença é uma burrice fenomenal e um erro fatal que compromete o sentido do presente e também o nosso futuro.
No trecho do Evangelho deste domingo Jesus continua convidando a procurar bolsas anti-furto, pois onde guardamos nosso tesouro também depositamos o sentido da vida. Para aqueles/as que expressaram no batismo o compromisso de pautar a vida pelos passos e práticas de Jesus, não há riqueza mais preciosa que o Reino de Deus, o tesouro que deu sentido à vida de Jesus. Contribuir para que todos tenham vida em abundância é um valor primário, impagável e inegociável.
“Sejam como pessoas que está esperando seu senhor voltar...”
Mesmo que o Reino de Deus seja um sonho que se realiza muito lentamente e só será pleno no futuro, a atitude cristã é a espera ativa. É isso que Jesus nos ensina no evangelho de hoje, lançando mão de três pequenas parábolas: os empregados que esperam a volta do patrão; o dono da casa que toma precauções contra os ladrões; os administradores que um proprietário encarrega para tomar conta da casa durante sua ausência. Deus solicita as mãos dos que nele crêem.
Diante da solidez das estruturas injustas e da força dos hábitos arraigados somos rondados pela tentação da passividade ou da fuga espiritualista. Como não sabemos se o Senhor da história chegará antes da meia-noite ou se o Reino de Deus só se fará ver na madrugada distante e incerta, entregamo-nos ao sono da passividade, da indiferença ou da deserção. ‘Já que o Reino é de Deus, que ele mesmo abra a porta quando resolver voltar... Já fazemos muito se nos entregamos à oração...’
Nossa condição na história é de espera de alguém que está para voltar. Temos que estar acordados para abrir a porta quando ele chega e bate. Infelizmente, absorvemos a perigosa ideologia que prega que nada temos a esperar, e que na história valem as leis do mercado: quem pode mais, chora menos. Cremos sim que Deus existe, mas ele está tranquilo no céu e não voltará. Nós é que devemos ir a ele, atravessando a história na ponta dos pés, sem olhar para os lados e para os rostos que nos interpelam.
“Felizes os que o Senhor encontrar acordados!”
Precisamos esperar o Reino de Deus colocando-nos a serviço do povo de Deus. “Ficai de prontidão, em traje de serviço, e com as lâmpadas acesas.” Os que apostamos no caminho alternativo proposto por Jesus somos sim um pequeno rebanho, mas existimos para ajudar no parto da nova humanidade. Não podemos dormir sobre os efêmeros louros de um passado numericamente glorioso. A Igreja é um depósito de sementes que devem ser jogadas na terra.
É triste quando uma Igreja esquece sua razão de ser e se preocupa unicamente com seus direitos, poderes e tradições. Onde fica a missão de cuidar da casa de Deus e abrir a ele as portas? Se o próprio Deus faz seu povo sentar-se à mesa e veste trajes de servo, não faz sentido esta anacrônica e mortal luta por privilégios diante dos Estados. Adiar indefinidamente as urgentes reformas da Igreja é uma atitude imprudente e perigosa, pois o Senhor pode vir como ladrão e tudo o que parece sólido será ruínas.
Missão do povo de Deus é empenhar-se para que a humanidade receba seu trigo na hora certa, seja atendida em seus direitos fundamentais. Festejar com os grandes do mundo, embriagar-se com as falsas liturgias do poder, bater com a vara da excomunhão os próprios irmãos – inclusive porque propõem uma teologia diferente ou reconhecem os carismas ministeriais também nas mulheres – é coisa que nos iguala às figuras mais execráveis da história. E nos faz merecer chicotadas sem número.
“Pela fé ele viveu como errante na terra prometida...”
A condição dos cristãos na história é aquela dos administradores aos quais se confia o cuidado da casa, se pede vigilância e serviço aos irmãos e irmãs. Temos o direito de festejar e celebrar os inúmeros pequenos avanços do Reino de Deus, mas sem deixar-se embriagar perigosamente pelas ideologias do poder e do sucesso. Nossa condição é a mesma de Abraão: vivemos na história como errantes que ainda buscam uma pátria definitiva, mas que, todos os dias, abrem as mãos no serviço aos irmãos e irmãs.
Quem vive no mundo como errante, não constrói moradas definitivas, mas apenas tendas leves que podem ser armadas e desarmadas conforme a necessidade. O que fazer com o peso e a imponência das basílicas que enchem a cidade de Roma, com a inócua guarda-suíça, com os imutáveis códigos canônicos e litúrgicos que só interessam aos especialistas? Onde entram Jesus Cristo crucificado e sua Boa Notícia aos pobres em tudo isso? As mãos que se entregam ao incensamento se fecham aos necessitados...
Quem vive no mundo como errante parte sem saber onde vai chegar e corre o risco de não desfrutar daquilo que o move e mantém na estrada. Mas, sentindo-se peregrino e hóspede, dá o melhor de si para não poluir nem destruir os lugares por onde passa. E faz o possível para que os que vêm atrás possam usufruir de um caminho mais sinalizado e de um ambiente mais agradável. Deus solicita nossas mãos generosas e criativas. Os vales por onde passamos deveriam se encher de flores e espigas.
“Deus não se envergonha deles...”
Deus não se envergonha destes homens e mulheres que, por não abrirem mão do tesouro do Reino de Deus, foram ou são considerados doidos, insignificantes ou perigosos. São pais de família que, além de serem uma peresença terna e firme ao lado e à frente dos filhos e filhas, não lhes sonegam a mais bela lição: neste mundo somos peregrinos e hóspedes, mas cabe-nos fazer o possível para que ele seja melhorado e os bens circulem e cheguem a todos os seres humanos. Eis a herança mais preciosa.
Clara de Assis encantou-se pela loucura de Francisco e deu à luz uma comunidade de irmãs pobres, livres e orantes que produz frutos ainda hoje. Edith Stein fez da filosofia um caminho de humanização e de indentificação com os destino das vítimas. Domingos de Gusmão fez-se pobre para libertar o Evangelho das contradições de uma Igreja rica. Frei Tito enamorou-se da liberdade do seu povo e por ela sofreu a tortura que o matou por dentro. Margarida Alves achou melhor morrer na luta que morrer de fome. E Alfredinho resgatou a irmandade e a dignidade dos sofredores.
São pessoas que fizeram bolsas que não se estragam e adquiriram tesouros que ninguém pode roubar. O medo não as impediu de lutar. Elas só puderem saudar de longe a utopia que orientou sua vida, mas nós sabemos que Deus não se envergonha delas quando o invocam como seu Deus.
Pe. Itacir Brassiani msf
A proposta do mês vocacional nos convida a refletir, na segunda semana que ora iniciamos, sobre a vocação dos pais e da família. Mas é interessante lembrar também algumas figuras cuja memória é celebrada nestes dias: o religioso mendicante e fundador São Domingos (+06/08/1221); a filósofa judia e mártir carmelita Edith Stein (+09/08/1942); Frei Tito, religioso cearense, preso e torturado pela ditadura militar brasileira (+10/08/1974); Santa Clara (+11/081253), amiga de São Francisco e fundadora das clarissas; a agricultora e sindicalista nordestina Margarida Alves (+12/08/1983); a testemunha do amor de Deus entre os sofredores de rua, Pe. Alfredinho Kunz (+12/08/2000). Todos/as nos deixaram, cada um/a seu modo, o testemunho de uma vida vigilante, ativa e serviçal na espera do Reino de Deus.
“Não tenhas medo, pequeno rebanho.”
Podemos dizer que o cristianismo é hoje um pequeno rebanho? Os fiéis espalhados no mundo e vinculados às diferentes confissões cristãs são mais de um bilhão, e isso faz do cristianimo a maior religião da atualidade. Do ponto de vista estatístico, não somos um pequeno rebanho, mas uma grande multidão. Mesmo sendo verdade que estamos diminuindo na Europa, o crescimento nos continentes africano e asiático continua mantendo nosso sentimento de superioridade.
Mas esta hegemonia numérica pode não significar muito do ponto de vista da fidelidade ao evangelho. O próprio Jesus não se deixava impressionar com as pequenas multidões que o seguiam, despertadas pelos sinais que realizava. Os discípulos e discípulas que entenderam o que significava crer em Jesus e seguir seus passos eram poucos, e mesmo esta minoria acabou abandonando-o quando foi acusado, preso, torturado e crucificado. Tudo recomeçou a partir de um pequeno rebanho fiel e corajoso.
“Onde estiver o vosso tesouro, aí está também o vosso coração.”
Quem crê em Jesus Cristo e segue seus passos tem um tesouro pelo qual está disposto a relativizar tudo o mais: o Reino de Deus. Estamos ainda lembrados que, no evangelho do domingo passado, Jesus nos advertia contra a tentação da ganância: o entesouramento de riquezas calcado na indiferença para com a sorte dos oprimidos que nos interpelam com sua simples presença é uma burrice fenomenal e um erro fatal que compromete o sentido do presente e também o nosso futuro.
No trecho do Evangelho deste domingo Jesus continua convidando a procurar bolsas anti-furto, pois onde guardamos nosso tesouro também depositamos o sentido da vida. Para aqueles/as que expressaram no batismo o compromisso de pautar a vida pelos passos e práticas de Jesus, não há riqueza mais preciosa que o Reino de Deus, o tesouro que deu sentido à vida de Jesus. Contribuir para que todos tenham vida em abundância é um valor primário, impagável e inegociável.
“Sejam como pessoas que está esperando seu senhor voltar...”
Mesmo que o Reino de Deus seja um sonho que se realiza muito lentamente e só será pleno no futuro, a atitude cristã é a espera ativa. É isso que Jesus nos ensina no evangelho de hoje, lançando mão de três pequenas parábolas: os empregados que esperam a volta do patrão; o dono da casa que toma precauções contra os ladrões; os administradores que um proprietário encarrega para tomar conta da casa durante sua ausência. Deus solicita as mãos dos que nele crêem.
Diante da solidez das estruturas injustas e da força dos hábitos arraigados somos rondados pela tentação da passividade ou da fuga espiritualista. Como não sabemos se o Senhor da história chegará antes da meia-noite ou se o Reino de Deus só se fará ver na madrugada distante e incerta, entregamo-nos ao sono da passividade, da indiferença ou da deserção. ‘Já que o Reino é de Deus, que ele mesmo abra a porta quando resolver voltar... Já fazemos muito se nos entregamos à oração...’
Nossa condição na história é de espera de alguém que está para voltar. Temos que estar acordados para abrir a porta quando ele chega e bate. Infelizmente, absorvemos a perigosa ideologia que prega que nada temos a esperar, e que na história valem as leis do mercado: quem pode mais, chora menos. Cremos sim que Deus existe, mas ele está tranquilo no céu e não voltará. Nós é que devemos ir a ele, atravessando a história na ponta dos pés, sem olhar para os lados e para os rostos que nos interpelam.
“Felizes os que o Senhor encontrar acordados!”
Precisamos esperar o Reino de Deus colocando-nos a serviço do povo de Deus. “Ficai de prontidão, em traje de serviço, e com as lâmpadas acesas.” Os que apostamos no caminho alternativo proposto por Jesus somos sim um pequeno rebanho, mas existimos para ajudar no parto da nova humanidade. Não podemos dormir sobre os efêmeros louros de um passado numericamente glorioso. A Igreja é um depósito de sementes que devem ser jogadas na terra.
É triste quando uma Igreja esquece sua razão de ser e se preocupa unicamente com seus direitos, poderes e tradições. Onde fica a missão de cuidar da casa de Deus e abrir a ele as portas? Se o próprio Deus faz seu povo sentar-se à mesa e veste trajes de servo, não faz sentido esta anacrônica e mortal luta por privilégios diante dos Estados. Adiar indefinidamente as urgentes reformas da Igreja é uma atitude imprudente e perigosa, pois o Senhor pode vir como ladrão e tudo o que parece sólido será ruínas.
Missão do povo de Deus é empenhar-se para que a humanidade receba seu trigo na hora certa, seja atendida em seus direitos fundamentais. Festejar com os grandes do mundo, embriagar-se com as falsas liturgias do poder, bater com a vara da excomunhão os próprios irmãos – inclusive porque propõem uma teologia diferente ou reconhecem os carismas ministeriais também nas mulheres – é coisa que nos iguala às figuras mais execráveis da história. E nos faz merecer chicotadas sem número.
“Pela fé ele viveu como errante na terra prometida...”
A condição dos cristãos na história é aquela dos administradores aos quais se confia o cuidado da casa, se pede vigilância e serviço aos irmãos e irmãs. Temos o direito de festejar e celebrar os inúmeros pequenos avanços do Reino de Deus, mas sem deixar-se embriagar perigosamente pelas ideologias do poder e do sucesso. Nossa condição é a mesma de Abraão: vivemos na história como errantes que ainda buscam uma pátria definitiva, mas que, todos os dias, abrem as mãos no serviço aos irmãos e irmãs.
Quem vive no mundo como errante, não constrói moradas definitivas, mas apenas tendas leves que podem ser armadas e desarmadas conforme a necessidade. O que fazer com o peso e a imponência das basílicas que enchem a cidade de Roma, com a inócua guarda-suíça, com os imutáveis códigos canônicos e litúrgicos que só interessam aos especialistas? Onde entram Jesus Cristo crucificado e sua Boa Notícia aos pobres em tudo isso? As mãos que se entregam ao incensamento se fecham aos necessitados...
Quem vive no mundo como errante parte sem saber onde vai chegar e corre o risco de não desfrutar daquilo que o move e mantém na estrada. Mas, sentindo-se peregrino e hóspede, dá o melhor de si para não poluir nem destruir os lugares por onde passa. E faz o possível para que os que vêm atrás possam usufruir de um caminho mais sinalizado e de um ambiente mais agradável. Deus solicita nossas mãos generosas e criativas. Os vales por onde passamos deveriam se encher de flores e espigas.
“Deus não se envergonha deles...”
Deus não se envergonha destes homens e mulheres que, por não abrirem mão do tesouro do Reino de Deus, foram ou são considerados doidos, insignificantes ou perigosos. São pais de família que, além de serem uma peresença terna e firme ao lado e à frente dos filhos e filhas, não lhes sonegam a mais bela lição: neste mundo somos peregrinos e hóspedes, mas cabe-nos fazer o possível para que ele seja melhorado e os bens circulem e cheguem a todos os seres humanos. Eis a herança mais preciosa.
Clara de Assis encantou-se pela loucura de Francisco e deu à luz uma comunidade de irmãs pobres, livres e orantes que produz frutos ainda hoje. Edith Stein fez da filosofia um caminho de humanização e de indentificação com os destino das vítimas. Domingos de Gusmão fez-se pobre para libertar o Evangelho das contradições de uma Igreja rica. Frei Tito enamorou-se da liberdade do seu povo e por ela sofreu a tortura que o matou por dentro. Margarida Alves achou melhor morrer na luta que morrer de fome. E Alfredinho resgatou a irmandade e a dignidade dos sofredores.
São pessoas que fizeram bolsas que não se estragam e adquiriram tesouros que ninguém pode roubar. O medo não as impediu de lutar. Elas só puderem saudar de longe a utopia que orientou sua vida, mas nós sabemos que Deus não se envergonha delas quando o invocam como seu Deus.
Pe. Itacir Brassiani msf
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