quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
A paz para todos nasce da justiça de cada um.
“E a Palavra se dez carne e veio habitar entre nós.”
Tudo parte da gruta de Belém e nela se sustenta. Mas não menos viva é a memória da vida inteira de Jesus, seu anúncio e sua ação polêmica e libertadora, sua condenação e morte na cruz dos proscritos. João tem isso presente quando nos fala da Palavra que estava junto de Deus e que era Deus, que é a luz que brilha e vence as trevas, que se faz carne e vem habitar entre nós, que torna visível o Deus invisível. E o mesmo ocorre com o autor da carta aos Hebreus, quando afirma que Jesus exprime o ser de Deus.
Recordemos a poética narração de Lucas, proclamada na celebração da vigília da noite passada. Forçados pelo Imperador Augusto, Maria e José tiveram que ir a Belém e, completado o tempo da gravidez e sem terem encontrado hospedagem, se abrigam numa estrebaria, onde Jesus é dado à luz. Proscritos pastores sabem do ocorrido e acorrem ao estábulo, onde encontram o casal e um recém-nascido envolto em panos e acomodado numa cocheira. Seria propriamente esta a glória de Deus?
“E a Luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la.”
Perguntemos aos irmãos e irmãs da primeira hora pelo sentido deste acontecimento histórico. Na carta aos Hebreus, a comunidade cristã, amadurecida às custas da perseguição e da perseverança, dá seu testemunho afirmando que através de Jesus, nascido na pobreza e perseguido pelos poderes políticos e religiosos, Deus nos falou de modo definitivo. Ele é a expressão da glória de Deus e o próprio dinamismo que sustenta as buscas de paz e de comunhão de todo o universo.
A comunidade joanina vai na mesma linha da comunicação, dizendo que na vida de Jesus é pronunciada definitivamente a Palavra divina: é uma Palavra que gera dinamismos de Vida que ilumina a humanidade; que vence as forças que a ela se opõem; que transforma os/as escravos/as em filhos/as. Nesta Palavra feita carne humana e hóspede do mundo, vemos a glória de Deus, o qual estabelece conosco uma aliança baseada na gratuidade e na verdade.
“A quantos a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos/as de Deus.”
As imagens e conceitos são vários e complementares. Prestemos atenção a três delas: Palavra, Vida e Graça. Enquanto Palavra, Jesus é a exteriorização da interioridade de Deus, e esse mistério interior não é uma lei, uma advertência ou uma doutrina, mas uma boa notícia que produz felicidade. A Palavra de Deus assume a carne humana e a vida histórica e corporal de Jesus como tenda na qual os homens e mulheres podem encontrar, tocar e acolher o próprio mistério de Deus.
O mesmo Jesus, filho de Maria e de José, que nasceu em Belém e viveu como carpinteiro em Nazaré, que reuniu discípulos/as e foi por eles abandonado em Jerusalém, é portador da Vida plena e eterna, do bem viver desejado por todas as criaturas. Nele o bem viver ou a Vida é revelada e doada como comunhão profunda com o mistério de Deus, comunhão solidária com todas os pobres e as vítimas e comunhão graciosa com todas as criaturas.
Na pessoa e no caminho histórico de Jesus de Nazaré, vislumbramos também a Graça de Deus, graça manifestada e encarnada. Nele recebemos a boa notícia de que Deus não é um cobrador de dívidas ou um juiz frio e calculista, mas um irmão e um hóspede que se rege pela gratuidade e pelo dom. A lei e a cobrança implacáveis vêm das velhas instituições, mas a Graça e a Verdade nós as recebemos por Jesus Cristo. Nele, todos/as recebemos graças e mais graças... Ele mesmo é a graça e a gratuidade de Deus!
“Nós vimos a sua glória...”
Tanto a comunidade de João como a da carta aos Hebreus fala de Jesus de Nazaré como glória. “Ele é o explendor da glória do Pai, a expressão do seu ser”, diz a carta. “Nós vimos a sua (da Palavra feita carne) glória, glória como do Filho único da parte do Pai”, diz João. O que esta expressão pode comunicar sobre o Filho de Deus que se revela no presépio de Belém, na carpintaria da Galiléia, na família de Nazaré e na via-crucis de Jerusalém?
Em hebraico, glória (kabôd: peso, valor, brilho) é uma palavra que exprime a importância e o valor interior de uma pessoa, que se revela nas ações e requer o respeito dos outros. Ver a glória de Deus significa testemunhar sua ação salvífica e libertadora, reconhecer sua santidade nos acontecimentos históricos. A metáfora da luz é frequentemente usada para materializar a glória de Deus, como aparece no relato do nascimento de Jesus (cf. Lc 2,9).
A tradição cristã afirma com ousadia que a glória de Deus se manifesta de modo incomparável e insuperável na crucifixão de Jesus, na sua fidelidade radical e amorosa à humanidade oprimida. Sendo a cruz o desfecho de uma inteira vida de amor, podemos dizer que na humanidade de Jesus vemos a glória de Deus. E os discípulos/as de Jesus são glorificados/as na medida em que participarm do dinamismo do seu amor ou paixão pelo mundo. Eis nosso brilho, nosso peso, nosso valor.
“Todos os confins da terra puderam ver a salvação.”
A liturgia natalina também nos ensina que universalidade e libertação são duas características essenciais do evento da encarnação do Filho de Deus. A festa do Natal de Jesus não pode ser reduzida a um evento voltado unicamente aos cristãos ou católicos, e menos ainda a um sentimento ou iluminação interior, bem ao gosto do individualismo e do misticismo pós-modernos. E não tem nada a ver também com as luzes coloridas e ofertas de consumo que abundam no mercado globalizado.
O profeta Isaías e o Salmo de meditação sublinham claramente tanto o caráter universal como a marca libertadora do nascimento de Jesus. Somos convidados a cantar porque Deus faz maravilhas, arregaça as manhas do seu braço santo e põe em movimento sua salvação. E são todos os confins da terra que vêem e experimentam esta salvação, e a terra inteira que é convocada a gritar, exultar e cantar hinos agradecidos. E João diz que todos quantos acolhem a Luz, podem se tornar filhos e filhas de Deus.
“Que beleza, pelas montanhas, os passos de quem traz boas notícias...”
Mas tudo isso não pode ser apenas sermão monótono ou doutrina abstrata. A fé que não é experiência vital se torna ideologia escravizadora. Partindo de uma libertação vivida como esperança e experiência de graça, o profeta Isaías se delicia contemplando os passos de quem corre sobre as montanhas anunciando boas notícias a um povo dominado e desolado. Ele vislumbra os guardas cantando em coral e um povo em ruínas explodindo de alegria diante do mensageiro que traz um edito de paz.
Pois o Natal é também a boa e definitiva notícia de que Deus deseja e promove uma paz duradoura, para todos e em todos os lugares. Bento XVI nos lembra oportunamente que a paz é dom a ser recebido e realidade a ser construída mediante a compaixão e a solidariedade. “A paz para todos nasce da justiça de cada um, e ninguém pode subtrair-se a este compromisso essencial de promover a justiça segundo as respectivas competências e responsabilidade”, diz o Papa na sua mensagem para o Ano Novo.
“Vamos explodir de alegria...”
Diante da tua pequenez gloriosa, Deus Menino, ajoelhamo-nos eternamente agradecidos/as. É desta tua glória que todos necessitamos. É este brilho que todos/as buscamos de forma inconsciente e quase desesperada. Tu nos ensinas que é armando a tenda dos nossos sonhos e palavras em meio à humanidade peregrina que alcançamos a liberdade e a plena realização. Obrigado por esta lição pronunciada na nossa carne. Queremos ser filhos/as desta luz. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
"O Rei do Universo é o Também o Irmão dos necessitados."
O ano litúrgico católico termina com a festa de Cristo, Rei do Universo. Desde o final do século XIX algumas comunidades católicas vinham propondo a celebração de Cristo Rei para propagar a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis civis. Essa festa acabou sendo instituída oficialmente em 1955, pelo Papa Pio XII. Hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e, ao mesmo tempo, destacar o mistério de Jesus Cristo que, com sua paixão pelo povo e sua vida doada aos marginalizados, venceu a opressão e a morte e inaugurou um Novo Tempo, regido pela paz, pela solidariedade e pela partilha. O que predomina é a utopia do bom rei que, como o bom pastor, vela sobre seu povo e o governa na justiça e na paz.
“Quando o filho do homem vier na sua glória...”
Para falar de Jesus e expressar o que ele significa sempre recorremos a imagens e comparações vindas da nossa experiência e da nossa cultura. Desde o tempo dos primeiros discípulos a comunidade cristã usou títulos e nomes correntes para expressar o mistério inesgotável da pessoa e do evento Jesus Cristo, consciente de que nenhum deles conseguia expressar com exatidão seu significado e sua relevância. Estes títulos e nomes às vezes mais escondem do que revelam a novidade de Jesus Cristo.
O título de Messias ajudava a sublinhar seu caráter de líder ungido e enviado por Deus para realizar sua obra libertadora. Chamando-o Mestre as comunidades destacavam sua a relação pedagógica com os/as seguidores/as. A imagem de Pastor serviu para ressaltar a proximidade, o conhecimento, o cuidado e a postura frente ao povo. Ao atribuir-lhe o título de Filho de Deus os cristãos afirmavam a convergência de sua ação com a ação de Deus e contestavam essse mesmo reconhecimento aos reis e imperadores.
Mas podemos afirmar com relativa segurança que Jesus evitou a maioria dos títulos que lhe davam, e preferiu autoapresentar-se como Filho do Homem, ou seja, como fundamentalmente humano e portador de humanidade. Parece que ele queria evitar o risco de entenderem-no de modo muito espiritualizado ou politizado. E preferiu falar de si mesmo em termos mais neutros, mostrando o que era e o que queria mais através da prática que de discursos, títulos e nomes.
O trecho do Evangelho proclamado na festa de Cristo Rei é um dos ‘discursos escatológicos’ de Jesus. Esse gênero de anúncio se presta para falar não propriamente daquilo que deve acontecer no fim do mundo, mas para apresentar aquilo que realmente vale enquanto dura nossa vida no mundo. Esse discurso de Jesus nos leva imaginariamente ao fim dos tempos para destacar o que realmente tem valor no percurso da história.
Neste final imaginário da história, Mateus nos apresenta Jesus através das metáforas do rei e do juiz. Quando o evangelista fala que o Filho do Homem virá ‘na sua glória’ e se sentará em se ‘trono glorioso’ está comparando Jesus com um rei. “Então o rei dirá aos que estão à sua direita...” E a expressão ‘Senhor’ tem essencialmente o mesmo sentido, pois esse era o apelativo com que o povo se dirigia aos reis, imperadores e chefes locais.
Esta parábola também aproxima Jesus da imagem do juiz, e isso é compreensível numa cultura que atribuía ao rei as funções legislativas, executivas e judiciárias. “Todos os povos serão reunidos diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” A ação de julgar consiste em discernir o verdadeiro valor das ações concretas das pessoas, as quais são separadas em dois grupos, a partir daquilo que fizem e não dos títulos honoríficos ou das meras intenções.
Na análise da parábola em questão não podemos esquecer de algo que é mais que um detalhe: mesmo no papel de juiz, Jesus age como pastor. Os evangelhos nos mostram que Jesus decidiu sentar-se definitivamente à mesa como conviva dos pecadores, e não como juiz na mesa do tribunal. Sua vida inteira comprova que ele foi ao encontro e assumiu a causa dos marginalizados. Ele não os esperou sentado na cadeira pretensamente neutra dos juízes.
A bela imagem usada pelo profeta Ezequiel nos ajuda nessa perspectiva. Ele nos diz que Deus promete agir em primeira pessoa para conduzir seu rebanho às pastagens e ao repouso, cuidando da ovelha machucada e fortalecendo a ovelha enfraquecida. Deus cuida do seu povo e garante-lhe vida e segurança. Mas, fazendo isso, não deixa de agir lucidamente como juiz: “Vou julgar entre ovelha e ovelha, entre carneiros e bodes...” Sempre há lobos que se fazem passar por ovelhas...
Ampliando o nosso olhar para além dos textos de hoje, é importante lembrar que, além de se apresentar como pastor, juiz e filho do homem, Jesus se identifica com o servo. João Batista o anuncia como ‘cordeiro de Deus’, como aquele que dá a vida em resgate por muitos. E no confronto com as autoridades do seu tempo e com as ambições de poder dos próprios discípulos, o próprio Jesus declara: “Eu estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27).
O mais importante, porém, está um pouco escondido na instigante parábola que ouvimos. Diante da pergunta sobre o momento e a forma concreta de servir a Jesus, ele responde: “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram...” Jesus é filho da humanidade, irmão dos homens e mulheres, mais concretamente: irmão daqueles que passam fome e sede, dos migrantes e doentes, dos pobres e presidiários.
Mais que como pastor ou juiz, Jesus se revela como irmão. Ele não se envergonha de ser nosso irmão e nos tratar como tal (cf. Hb 2,11). É desse modo – fazendo-se próximo o identificando-se solidariamente com os últimos – que Jesus nos revela o que realmente tem valor e pode nos salvar. Interrogando-nos sobre nossa atitude diante dos sofredores e marginalizados, ele nos ajuda discernir se estamos entre os ‘benditos do Pai’ ou com os malfeitores, com ele ou contra ele.
“Senhor, quando foi que não te servimos?...”
Aprecio muito uma proposta que Dom Hélder Câmara apresentou durante o Concílio Vaticano II, sugerindo que se criasse a festa litúrgica de Cristo Servo, para corrigir os excessos da festa de Cristo Rei e recordar esse aspecto essencial da vida de Jesus de Nazaré. São Paulo lembra que Jesus reina destruindo os poderes, rebaixando os poderosos e destruindo os mecanismos de morte. Ele reina fazendo-se servo de todos e doando sua vida para que o mundo viva.
E ele reina servindo através santos como os mártires das Missões (+19.11.1628), de lutadores como Zumbi (+20.11.1695), Marçal de Souza (+25.11.1983), e de milhões de leigos e leigas, cujo dia hoje celebramos. Como cristãos, nosso desejo é amar e servir Nosso Senhor Jesus Cristo, e o fazemos amando e servindo as pessoas necessitadas que nos redeiam. É desde a necessidade dessas pessoas concretas que ele reina e exerce seu senhorio sobre nossos interesses, ambições, medos e egoísmos.
Nem a beleza lírica do Salmo 22/23 destoa deste horizonte hermenêutico. São os pobres, aos quais falta tudo, que cantam com ousadia: “O Senhor é o meu pastor, nada me falta.” São os cansados que recobram forças diante da sua presença. São as pessoas socialmente desprotegidas que se sentem seguras à simples visão do seu cajado. São os grupos sociais excluídos e perseguidos que se descobrem convidados a uma mesa farta e acompanhados diariamente pela graça e pela felicidade.
“Vinde, benditos de meu Pai!...”
Deus pai e mãe, pastor do rebanho e protetor dos pequenos, neste dia em que celebramos meio sem jeito teu Filho como Rei do Universo, te pedimos: purifica nossa liturgia e nossa mente e a das autoridades da Igreja de todo desejo de honra e de poder; confirma-nos no lugar do servo, o lugar que teu Filho ocupou e que não lhe será tirado; fortalece os leigos e leigas que, de mil e uma maneiras, tornam efetivo o reinado de Jesus Cristo e transformam o mundo; e concede a todos/as nós a graça de te reconhecer, amar e servir atenta e delicadamente nos nossos irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Jovens colaboram na prevenção a Aids
Mais de 60 mil romeiros fizeram uma caminhada de 4,3km saindo da Catedral Nossa Senhora da Conceição até o parque da romaria, na volta da Charqueada. Dois momentos fortes marcaram a romaria: a presença do núncio apostólico Dom Lourenzo Baldisseri e os 20 anos da Diocese de Cachoeira do Sul.
Neste dia, jovens do Grupo Pequena Experiência de Jesus Cristo (PEJC), da Paróquia Nossa Senhora da Penha, preocupados com o aumento da Aids no Rio Grande do Sul, organizaram, juntamente com representante da Casa Fonte Colombo, Frei Eduardo e da Pastoral da Aids, Daniel , Rose e o pequeno Henrique, a distribuição de material informativo de prevenção a Aids, além de conversar sobre a epidemia.
Romeiros vindos de Candelária, Porto Alegre, Santa Maria, Paraíso do Sul, Rosário do Sul e Cruz Alta tiveram à disposição panfletos informativos no Stand da Casa Fonte Colombo e da Pastoral da Aids para levar às suas comunidades, escolas e grupos de jovens.
Jovens colaboram na Prevenção a Aids
Mais de 60 mil romeiros fizeram uma caminhada de 4,3km saindo da Catedral Nossa Senhora da Conceição até o parque da romaria, na volta da Charqueada. Dois momentos fortes marcaram a romaria: a presença do núncio apostólico Dom Lourenzo Baldisseri e os 20 anos da Diocese de Cachoeira do Sul.
Neste dia, jovens do Grupo Pequena Experiência de Jesus Cristo (PEJC), da Paróquia Nossa Senhora da Penha, preocupados com o aumento da Aids no Rio Grande do Sul, organizaram, juntamente com representante da Casa Fonte Colombo, Frei Eduardo e da Pastoral da Aids, Daniel , Rose e o pequeno Henrique, a distribuição de material informativo de prevenção a Aids, além de conversar sobre a epidemia.
Romeiros vindos de Candelária, Porto Alegre, Santa Maria, Paraíso do Sul, Rosário do Sul e Cruz Alta tiveram à disposição panfletos informativos no Stand da Casa Fonte Colombo e da Pastoral da Aids para levar às suas comunidades, escolas e grupos de jovens.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
TODOS OS POVOS TÊM DIREITO DE RECEBER O EVANGELHO
Neste segundo domingo do mês dedicado às missões queremos sublinhar o que o Papa Bento XVI diz na mensagem para o Dia Mundial das Missões: todos os povos têm direito a receber o anúncio do Evangelho. Se ouvir o Evangelho é um direito dos povos, anunciá-lo é um dever dos cristãos. E os povos têm direito a um Evangelho testemunhado integralmente e anunciado ecumenicamente, liberto das divisões e deformações provocadas pela história européia. As festas de Nossa Senhora do Rosário (dia 7) e Nossa Senhora Aparecida (dia 12) nos lembram o que significa encarnar a Boa Notícia na própria vida antes de anunciá-lo. E a memória do mártir jesuíta João Bosco Burnier (+12.12.1978) e de todos os/as mártires desta Pátria Grande (dia 11) sublinham que a luta para que todos possam viver bem pode nos levar a perder a própria vida. E não esqueçamos o que nos ensina o poeta, sonhador e humanista Che Guevara (+08.08.1968): a luta pela libertação não tem fronteiras e deve unir firmeza e ternura.
“O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces...”
Qual é a mensagem confiada aos cristãos para que seja anunciada a todos os povos? Não é, em primeiro lugar, uma doutrina bela e pesada, nem uma moral detalhada, mas uma boa notícia radicalmente libertadora: Deus é bom e, como atesta Isaías, promete levantar o véu de luto que cobre a cabeça dos povos e a mortalha que envolve o corpo das nações; sua presença enxuga as lágrimas de todas as faces e convoca e acolhe todos numa festa na qual os alimentos e bebidas são abundantes.
Mediante estas belas metáforas (levantar o véu ou a mortalha, enxugar as lágrimas e preparar uma festa alegre e fraterna), o profeta apresenta o rosto de um Deus que ama apaixonadamente seu povo e cada pessoa, faz aliança com ele e se mantém fiel, intervém ativamente para transformar as situações degradantes e opressivas. Em outras palavras, a mensagem é essencialmente o anúncio de que Deus não se compraz no sofrimento e na punição, nem assiste a história sentado passivamente num trono.
“Mandou seus servos chamar os convidados para a festa.”
O sonho de Deus é que a vida seja uma festa. Mas será que esta festa tem convidados prioritários? Uma leitura desatenta da parábola do evangelho de hoje poderia nos levar a concluir que sim. Para começar, é bom lembrar que esta parábola faz parte do mesmo conjunto literário das duas anteriores (Mt 21,18-32; 21,33-46). O foco temático deste conjunto literário é a rejeição da proposta de Jesus por parte da elite religiosa do judaísmo. As parábolas em questão têm esta elite como destinatário.
Jesus gosta de comparar o Reino de Deus com uma festa. Mas ele constata que nem todas as pessoas aceitam este convite, ou, quando aceitam, o fazem da boca para fora, por pura formalidade. Assim acontece com a liderança religiosa daquele tempo: não lhes agrada a aliança de Deus com a humanidade e, por isso, não dá a menor atenção ao convite que lhes é dirigido. Prefere ficar com leis e ritos que dividem e classificam as pessoas em boas ou más, judias e pagãs, filhos e cães...
Comer e beber juntos significa comungar os propósitos de Deus, e é isso que a elite não aceita. E de nada serve um segundo convite, pois o que pensam ser aqueles servos para interpelar um grupo que se sente superior aos comuns mortais? Ademais, os líderes religiosos não conseguem ver sentido nestas festas que não impõem barreiras, abertas a todas as pessoas. Até que participariam de uma festa, desde que fossem convidados de honra e com o objetivo de celebrar o poder e o privilégio de alguns.
“Ide para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes...”
O convite à festa do Reino é universal: todos os povos, todas as classes sociais, todas as pessoas. Há um grupo que não quer participar, não se importa com o convite e não vai, mas, ao menos da parte de Deus, a festa da Aliança não exclui ninguém. O que Jesus quer sublinhar com esta parábola é que, no pensamento de Deus, o mundo é inclusivo, que há lugar para todos na festa da vida. E ele nos escolhe e envia para fazer seu convite chegar a todos os destinatários.
Eis o dinamismo da missão que compromete a Igreja: anunciar que a festa está preparada e fazer o convite chegar a todas as pessoas, povos e classes. Por isso faz sentido o mandato de ir “para as encruzilhadas dos caminhos”. No mundo judaico, as encruzilhadas são os lugares onde os pobres se reúnem para mendigar, pois a vergonha e a pressão social os empuravam para esta margem. É prosseguindo nesta direção que a missão da Igreja encontra sua originalidade e sua autenticidade.
É bom recordar isso no momento em que a Igreja católica está propondo uma nova evangelização. Além de ser nova no seu método, esta evangelização não pode ser refém de uma visão eurocêntrica, tanto no conteúdo como nos destinatários. Infelizmente a tendência é esta. A ânsia de recuperar o campo perdido pode levar a Igreja a esquecer ou menosprezar as encruzilhadas, onde se encontram os marginalizados do primeiro mundo, e os porões ,e onde são jogados as pessoas do terceiro mundo.
“Como entrates aqui sem o traje da festa?”
Mesmo que o convite não comporte nenhuma forma de exclusão, na festa da vida não se pode entrar de qualquer jeito. Aqueles/as que fazem o convite – os missionários/as e evangelizadores/as de todos os tempos e quadrantes – não discriminam ninguém: convidam bons e maus, judeus e pagãos, homens e mulheres, escravos ou senhores, povo ou elite, negros ou brancos, europeus ou africanos, hétero ou homossexuais... Esta é a tarefa confiada aos mensageiros.
Quanto às pessoas que aceitam o convite e comparecem à festa, estas precisam se perguntar se, por suas atitudes, opções e práticas honram o anfitrião. Aqueles/as que aceitam ser discípulos/as e missionários/as de Jesus Cristo precisam demonstrar com a vida que o são. Não podem tomar a estrada larga e fácil da indiferença e do individualismo. E a Igreja não pode se alegrar ingenuamente com as multidões que lotam seus templos, sem se perguntar pela qualidade do discipulado destes fiéis.
A pergunta “amigo, como entraste aqui sem o traje da festa?” é dirigida a nós, e é séria. Aqui quem está em questão não é mais a elite do judaísmo, mas os ministros e agentes e líderes da Igreja. O sujeito surpreendido com traje inadequado ficou sem palavras, como acontecera com os saduceus questionados por Jesus (cf. Mt 22,34). Infelizmente encontramos gente (padres e leigos) nestas condições em nossas celebrações e demais atividades pastorais ou administrativas...
“Tudo posso naquele que me dá força.”
Os/as missionários/as e evangelizadores/as podem contar com algo mais potente que suas próprias forças e estratégias. Sabemos que somos pessoas como todas as outras, com as mesmas fragilidades e pecados. Apenas não nos conformam com a passividade e a indiferença, e achamos que vale a pena fazer o convite de Deus chegar a todos os destinatários. E isso mesmo que, às vezes, aqueles que aceitam o convite e comparecem à festa (litúrgica) encontrem leis, barreiras e arbitrariedades.
Como experimentou Paulo, o apóstolo das nações, é preciso aprender viver na penúria e na abundância, confiando que Deus, segundo sua generosidade, em Cristo Jesus, proverá magnificamente a todas as nossas necessidades. “Tudo posso naquele que me dá força”, diz o apóstolo. E isso significa que o/a missionário/a é alguém que não pode contar apenas com os recursos pessoais e das estruturas eclesiais. A força e a lucidez indispensáveis vêm de Deus, da Palavra, dos sacramentos.
Mais ainda que os/as missionários/as, quem experimenta a força criativa e inaudita que vem de Deus são os/as mártires. É uma força que os leva a lugares que não pensavam ir, que lhes dá uma coragem que não conheciam, que lhes concede uma sabedoria que nenhum livro é capaz de dar, que suscita neles um amor quase inacreditável e uma sede de justiça que tudo consome.
“Unges com óleo minha cabeça, meu cálice transborda.”
Deus, pai e mãe, que desde sempre preparas a festa da vida e desejas que todos os povos convidados tomem um lugar à tua mesa. Continua e enviar mensageiros/as, a fim de que este convite chegue aos destinatários, especialmente aos porões e quintais do mundo, onde aqueles/as que são tratados/as como últimos estão à espera. Guia os teus enviados/as e restaura as forças deles. Abre a mente e o coração das pessoas convidadas e faz com que tua Igreja mantenha abertas suas portas e janelas a todos os povos, culturas e classes sociais, sem impor condições. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Prevenção na 37ª Romaria de Nossa Senhora Conquistadora
A ensolarada manhã de Domingo, 25 de setembro, reuniu aproximadamente 10 mil fiéis na cidade de Bagé, fronteira com Rio Grande do Sul. Os fiéis saíram da Catedral São Sebastião, acompanhados da imagem de Nossa Senhora Conquistadora, até o Santuário onde foram recebidos pelos bispos Dom Gílio Felício e Dom José Mario, juntamente com diversos sacerdotes da região.
O evento contou com a participação de diversas dioceses do Estado, como: Pelotas, Rio Grande, Guaíba, Representantes das cidades Uruguaias - Melo e Taquarembó, além da presença da Pastoral da Aids e Casa Fonte Colombo lembrados na Missa da Benção da Saúde pelo Padre Elautério Júnior, reitor do Santuário.
Na oportunidade foi colocado um Stand com materiais informativos da Casa Fonte Colombo e a Pastoral da Aids. Frei Eduardo pode conversar com os Romeiros sobre HIV, Aids e DST, além de divulgar a Campanha de incentivo ao diagnóstico precoce.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
"TUA PALAVRA DÁ SABEDORIA AOS SIMPES."
“É como a chuva que lava e como o fogo que abrasa... Tua Palavra é assim: não passa por mim sem deixar um sinal.” Este refrão que cantamos frenquentamente expressa uma experiência, um desejo e uma promessa. Para que seja assim é necessário um exercício prolongado, uma atenção concentrada, uma sensibilidade afinada e uma permanente revisão de vida. A Igreja do Brasil nos ajuda neste propósito oferecendo um mês inteiro de para despertar nosso gosto pela Palavra de Deus e nossa atenção a um Deus que dialoga conosco. Sem os exageros patrióticos da Semana da Pátria e o romantismo às vezes ingênuo da Semana Farroupilha, entramos primavera adentro atentos à Palavra viva de Deus. Todos os domingos Deus tem um encontro marcado conosco. E, como nos recorda o salmista, sua Palavra torna sábias as pessoas simples (cf. Sl 119/118,130).
“Mostra-me, Senhor, os teus caminhos...”
No horizonte das relações humanas, dar atenção à palavra significa valorizar a pessoa que fala. Mais importante que a palavra e o conteúdo, é sempre a pessoa que fala. Assim também em relação à Palavra de Deus! A atenção à Palavra de Deus está a serviço da nossa relação com Deus. Quando separamos a Palavra e Deus corremos o risco de reduzi-la a um discurso vazio, frio e estéril. E então a Palavra que era viva pode se tornar doutrina pesada e letra que mata.
O Concílio Vaticano II nos ensina que Deus sempre fala depois de ouvir, e o faz dialogando, como amigo que se entretém conosco e nos convida a participar da sua intimidade. Como nos encontros entre amigos/as, sua Palavra não é prioritariamente discurso, doutrina ou ordem, mas diálogo interpessoal sobre coisas importantes e decisivas que interessam e mexem com a vida de ambos. Com frequência, o próprio encontro é mais importante que a palavra.
A Palavra de Deus não é uma palavra a mais no meio ou acima das palavras humanas: é a percepção do sentido absoluto e transcendente das palavras e acontecimentos humanos. Deus diz sua palavra mediante as palavras e ações dos homens e mulheres na história. A Palavra consignada no texto bíblico atua como despertador que nos acorda para escutar a Palavra de Deus escrita na vida e para seguir sua orientação. Bíblia e vida estão unidas de forma indissociável.
“Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha!”
A palavra dialogal é sempre uma proposta que espera resposta. É um convite que espera ressonância. Mesmo quando se apresenta como uma ordem, a palavra conta com a livre decisão do interlocutor. Uma palavra imperativa, que vem de cima e sabe somente dar ordens, que não se interessa com a resposta, que desconhece os tempos indicativo e subjuntivo, tem jeito de imposição, infantiliza e não constrói pessoas livres.
Jesus Cristo, a Palavra de Deus feita carne e história, é em si mesmo e em tudo o que diz e faz, convite e apelo que traz a força daquele que a pronuncia. Este convite tem autoridade e mobiliza porque vem de Alguém que se faz um de nós, se torna igual a nós em tudo, assume e pronuncia a palavra do simples ser humano, com seus sonhos e necessidades. “Vai trabalhar hoje na minha vinha...” Jesus é palavra que convoca à ação, a assumir nossa responsabilidade no mundo e na história.
“Sim, Senhor, eu vou!”
Às vezes pressupomos muito rapidamente que nossa resposta à Palavra de Deus é positivamente inequívoca. Quem poderia duvidar disso se ainda no colo da mãe fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Afinal, frequentamos a catequese, fizemos a primeira comunhão solene e recebemos a unção crismal... E iniciamos sempre cada dia pedindo que o Senhor abra nossos lábios para que nossa boca proclame seu louvor...
Mas isso pode ser apenas aparência e formalidade. A crítica de Jesus aos fariseus, sacerdotes e doutores da lei é paradigmática e nos coloca de sobreaviso. Aqueles que se sentem orgulhosamente os primeiros ouvintes e praticantes exemplares da Palavra de Deus na verdade são como filhos que dizem sim à ordem do pai, mas se recusam a fazer o que ele pede. É uma séria advertência dirigida a nós. Em que medida também nós aderimos a Deus apenas da boca para fora?
Creio que nós não estamos livres dessa tentação. Corremos o risco de ficar na superfície, na aparência. Não faltam homens e mulheres de Igreja, leigos/as e consagrados/as que estudam cientificamente a Palavra de Deus, conhecem o contexto e o texto, o gênero literário e as teorias literárias, mas não conseguem passar do cérebro ao coração e às mãos. Lavam as mãos e se desculpam diante da urgência de cuidar da vida dos irmãos e irmãs. Dizemos sim com a boca e não com a vida.
“Mas depois arrependeu-se, e foi...”
E há pessoas que dizem não à Palavra de Deus, mas só aparentemente. Alguns não frequentam muito assiduamente as celebrações nem consideram relevantes as muitas palavras do ensino da Igreja. Outros se opõem abertamente à Igreja e às religiões. Muitos amargam experiências de pobreza, marginalização e exclusão. Alguns até tiveram um percurso existencial tumultuado, com matrimônios desfeitos, vida familiar arruinada e várias tentativas de recomeço.
Uma parte consideravel dessa gente que diz a Deus um não aparente, pois se empenha de corpo e alma na tarefa de humanizar o que lhes sobra de vida e de evitar que o mundo se corrompa ainda mais. Começam pelo terreno da própria vida e do círculo de pessoas que se congregam na família. Militam em associações, movimentos, sindicatos e partidos não isentos de contradições, mas orientados ao bem comum. O não inicial e público deles se revela um sim prático e anônimo.
Mas outras tantas pessoas sequer conseguem crer em si mesmas e nas possibilidades de mudança. Não se consideram merecedoras de absolutamente nada e parecem ser uma negação absoluta de tudo o que possa ser bom e desejável. São como as prostitutas e os publicanos do tempo de Jesus. A elas é o próprio Deus que diz um sim claro e retumbante: sim à sua dignidade, sim à sua inclusão, sim ao seu desejo de uma vida mínima. Essas pessoas são acolhidas na primeira classe do Reino!
“Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte...”
Jesus Cristo é o sim de Deus às aspirações profundas da humanidade, especialmente das diversas categorias de oprimidos. Nele Deus se faz avalista dos sonhos de dignidade, igualdade e liberdade que nos habitam. Ele responde positivamente ao convite para trabalhar na vinha de Deus, para cuidar das ovelhas perdidas de todos os tempos e lugares. Seu sim não foi apenas da boca pra fora e nem uma resposta provisória e estratégica.
Jesus é também um sim a Deus. Seu sim ao Pai se expressa, tanto quanto no cuidar das pessoas e transformar as estruturas mentais, religiosas e políticas, no esvaziamento de toda superioridade prepotente, na eliminação de todo distanciamente prudente, no movimento de fazer-se próximo e ocupar um lugar ao lado dos últimos. Seu sim se mostra na identificação com todos os seres que morrem, mas especialmente com os que são torturados e condenados à morte violenta.
“Tenham em vós o mesmo sentir e pensar que havia no Cristo Jesus.”
O sim de Jesus e o esvaziamento ao qual este sim conduz não são uma ascese vazia que despreza a vida, mas um movimento de aproximação daquilo que é humano, de amor ativo e solidário, de verdadeira humanização. Paulo nos convida a assumir a postura de Jesus, a cultivar seu dinamismo, seus sentimentos. Ele nos ajuda a fim de que nosso sim à vida e aos irmãos que se mantenha no tempo. Ele abre um caminho no qual os pobres são tratados conforme o direito e os pecadores têm vez.
Deus pai e mãe, através do teu filho e nosso irmão Jesus continuas dirigindo-nos tua palavra-convocação. Às vezes esta palavra-convite nos desconcerta. Teu filho parece exagerar quando afirma que as pessoas tratadas como pecadoras precedem as ‘pessoas de bem’ no teu Reino. Isso não nos parece justo. Que Ezequiel nos ensine que os errados somos nós, e não tu. Que São Vicente de Paulo e São Jerônimo, cuja memória celebramos nesses dias, nos convençam de que este é um caminho possível, pois eles o percorreram. Que eles intercedam por nós e por toda a Igreja. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
sábado, 17 de setembro de 2011
Explicação sobre a Logomarca do Ano Clariano Segundo o autor:
“Santa Clara está em uma atitude de Contemplação, de leveza e alegria,seu corpo esta em forma de TAU,a marca dos eleitos e que Francisco de Assis toma como seu sinal predileto.
A Eucaristia está no coração de Clara, representando assim a centralidade do Cristo Pobre em sua vida.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Dia em que Celebramos o Dia da Vida Religiosa
VIDA RELIGIOSA
Todos somos consagrados desde nosso batismo, mas hoje a homenagem vai para aqueles e aquelas que deixaram tudo e partiram cumprindo o chamamento de Deus a uma missão específica na Igreja. Dos consagrados pelo batismo, Cristo Consagra alguns para viverem a missão religiosa de uma forma mais intimamente unida a Si mesmo, na oferta do tudo que são como dom recebido de Deus e ofertado por amor da Humanidade. A consagração religiosa é o seguimento evangélico de Cristo. Ele chama pessoalmente a uma vocação, chama a viver como Ele, tornando-nos assim participantes da sua missão evangelizadora.
A Consagração não é uma iniciativa humana, mas divina onde o Consagrado assume na sua vida a vida de Cristo, os seus riscos e esperanças, as suas preocupações e o seu projeto existencial, as suas atitudes vitais e essenciais. Ser Consagrado é sentir-se em relação íntima e direta com Deus e levá-lo aos outros onde Ele nos envia, com carismas e missão pessoais e comunitárias. Ser Consagrado é entregar-se nesta confiança absoluta de que Deus cuidará de cada uma de cada um, é deixar-se possuir livremente por Ele, acolher alegremente, e com a vitalidade que as forças humanas permitem a ação santificadora de Deus, consentindo-a de forma a podermos dar e dar-nos a nós mesmos sem reservas, como resposta amorosa à auto-entrega de Deus sob o impulso da Sua graça.
Deus abençoe você e sua missão.
Fraternamente recebam nosso abraço neste dia especial.
Coordenação dos Religiosos da Área Navegantes Floresta.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
CASA ARRUMADA
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
"CUIDEM DO REBALHO DE DEUS COM GENEROSIDADE..."
Os discípulos imaginavam um Deus indiferente às necessidades dos famintos ou suficientemente poderoso para resolver sozinho todas as dificuldades do povo. É a imagem de Deus que predomina nas diversas religiões. Mas Jesus revela-se um Deus compassivo com os pobres, um Deus que tem necessidade da nossa colaboração – nem que seja apenas cinco pães e dois peixes! – na sua ação libertadora. Ele nos convida a superar o medo e confiar na sua presença em todas as travessias.
Deus continua se manifestando aos que nele esperam. Ele não exclui nenhum lugar, mesmo os mais imporváveis. Deus se faz ativamente presente nos desertos que atravessamos hoje: na travessia noturna dos mares ameaçadores de um mundo que globaliza a exploração e ergue muros contra os migrantes; nas cavernas onde nos escondemos para fugir da profecia; na brisa suave da ternura das mãos que se estendem e dos corpos que se encontram.
A revelação de Deus pode ser percebida mais claramente nos movimentos de passagem: do Egito para a terra prometida; do centro para a periferia; da auto-suficiência para a entre-ajuda; do eu para o nós; da aparente segurança das cavernas para o descampado estimulante da montanha; do poder para o serviço; do peso das estruturas eclesiásticas para a leveza e a criatividade do Espírito. Parece que Deus não gosta de se estabelecer. Agrada-lhe mais o movimento que os templos.
As imagens de um Deus poderoso e ameaçador ainda não se apagaram da nossa memória. Ensinaram-nos que Deus se revela no poder destruidor dos terremotos, no fogo devorador das ideologias totalitárias, no mistério aterrador dos furacões, nos pesados decretos que comendam, na dura punição aos que erram. Deus seria onipotente, onisciente e onipresente, e quanto mais poder ou saber alguém possui, mais se pareceria com ele...
Diante de um Deus com estas características, caímos por terra ou gritamos de medo. E do ventre do medo não costuma nascer o amor que se faz dom mas a agressividade da autodefesa ou da dominação. Um Deus com tais traços é um fantasma, uma fantasia que se abriga nas pessoas que não superaram o desejo infantil de onipotência. E este fantasma, via de regra, está a serviço das diversas formas de dominação e de infantilização religiosa, econômica e política.
Como deixa claro o episódio de Pedro, o qual não escondeu seu desejo de participar da presumida onipotência de Deus e de caminhar sobre o mar, este desejo vem sempre ameaçado pelo medo. E é exatamente o medo dos ventos contrários e das diferenças que gera a dúvida e nos leva a afundar, tanto em termos humanos como espirituais. Isso soa como uma advertência aos padres, sempre tentados pelo sentimento de superioridade e pela vontade de vagar por cima da condição humana.
Elias debateu-se contra a visão de um Deus que se revela no poder e na ameaça. Ele teve que sair desta espécie de gruta fechada e se expor à suavidade da brisa para experimentar o verdadeiro rosto de Deus: um Deus que se manifesta como nuvem que ilumina os caminhantes na noite e os protege do sol durante o dia; que ouve o grito dos oprimidos se compadece dos famintos e humilhados; que se mostra mais como amor que como poder, mais como humilde sábio que como doutor.
O medo não nasce da verdadeira experiência de Deus, mas de uma imagem parcial ou confusa de Deus. É isso que vemos na história dos discípulos que deveriam atravessar o mar. A força do vento e das ondas que fustiga a barca como a tirania dos poderosos, somada à idéia de um Deus que caminha sereno e indiferente sobre as ondas, arranca-lhes gritos de pavor. E a dúvida sobre a divindade de um Jesus frágil e compassivo leva Pedro a afundar apavorado.
A experiência de Deus gera paz porque sua glória é sua infinita compaixão. Nele a Verdade se encontra com a Misericórdia e a Paz abraça e beija a Justiça. A Justiça faz a vez de caravana de batedores que o precede, e a Libertação ocupa o lugar do séquito que lhe presta homenagem. Deus não se manifesta no vento que ameaça; sua presença é sensível na calmaria. Ele é como um padre/pastor, cuja autoridade reside na mão estendida para orientar, proteger, sustentar e ajudar.
Desde o inicio do seu ministério, o Papa Bento XVI vem enquandrando suas reflexões e propostas pastorais no conceito de Verdade. Numa das meditações sobre a vocação presbiteral, inspirado no capítulo 17 do evangelho segundo João, ele fala do padre como homem consagrado na Verdade e a serviço da Verdade. É uma bela perspectiva, mas comporta o risco de identificar muito facilmente a doutrina da Igreja com a Verdade eterna e a pregação do padre com a doutrina da Igreja.
Mas Bento XVI propõe prudentemente: “A nossa vida torna-se autêntica, verdadeira e também eterna, se conhecermos Aquele que é a fonte de todo o ser e de toda a vida. Assim a palavra de Jesus torna-se para nós convite: tornemo-nos amigos de Jesus, procuremos conhecê-Lo cada vez mais! Vivamos em diálogo com Ele! Aprendamos d’Ele a vida reta, tornemo-nos suas testemunhas! Tornar-nos-emos assim pessoas que amam e agiremos de modo justo. Então viveremos verdadeiramente.”
Além disso, na linha do Salmo 84/85, lembremos que, na perspectiva da ação de Deus que os padres são chamados e mediar, “misericórdia e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam”. Aqui não há lugar para um sacerdócio que coloca a fria justiça à frente d a paz condescendente ou dá prioridade à firme verdade doutrinal em detrimento de um relacionamento essencialmente misericordioso. Na vida do padre-pastor, misercórdia e verdade, paz e justiça devem andar de mãos dadas.
Jesus insistiu muito na relação profunda entre a imagem de Deus e a figura do pastor. Podemos até dizer que a missão essencial de Jesus consistiu em revelar os traços de um Deus que age como um pai e como um pastor bom e generoso. Inversamente, podemos dizer que aos padres e pastores cabe a grave tarefa de ser uma espécie de sacramento de Deus para a comunidade de fé da qual ele mesmo é membro, de tornar visível e palpável a compaixão de Deus na terra.
Paulo lamenta que seus irmãos de raça e sangue tenham se apegado às leis, à religião, às instituições e às promessas como se fossem um privilégio que os colocam acima dos demais seres humanos e fora das peripécias e exigências da história. A filiação é um dom que carregamos como tesouro em um vaso de barro. Nem todos aqueles/as que ostentam o título de cristãos o são de fato. E, infelizmente, nem todos aqueles que se fazem chamar de padres e pastores o são realmente e em profundidade...
Deus, pai e mãe, presença amorosa e encorajadora em todas as humanas travessias: te pedimos hoje por estes homens que chamas para perto de ti, formas segundo o teu coração e colocas como pastores em meio ao teu rebanho. Tu conheces a generosidade e a ambiguidade, a coragem e o medo de cada um de nós. A tentação continua nos levando a te procurar no fogo, no terremoto, na ventania. Vem ao nosso encontro como calmaria! Socorre nossa pouca fé e cura as dúvidas do nosso coração e os desvios do nosso afeto. Ensina-nos a cuidar do rebanho que é teu, colocando-nos no meio dele e guiando-o como modelos de vida, e não como patrões e senhores. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
quarta-feira, 27 de julho de 2011
QUE EM TODA AS MESAS DE POBRE HAJA FESTA E PÃO!
“Jesus partiu e foi de barca para um lugar afastado...”
Depois de provocar escândalo na sua terra e de saber da prisão e do subsequente martírio de João Batista, Jesus parte para uma região deserta e afastada. Resolutamente, toma distância dos lugares onde o poder mostra sua ferocidade. Ele se recusa a entrar no jogo de cartas marcadas e desposa a periferia. Jesus sente necessidade de respirar outros ares e busca inspiração em utopias mais divinamente enraizadas e mais humanamente concretizadas. Assim o fará durante toda sua curta vida.
Sabendo disso, as multidões cansadas e abatidas deixam as cidades e o seguem à pé. Intuem que é da periferia que pode nascer a novidade. Sabem que os centros de poder são como uma figueira estéril, ou pior, estão pavimentados com o trabalho dos pobres e pintadas com o sangue dos inocentes. Saindo da barca, Jesus vê a multidão e, movido pela compaixão, cura e emancipa muitos pessoas doentes que, poe causa disso, eram dependentes e marginalizadas.
A compaixão não costuma germinar no frio chão dos palácios. Sua força recriadora parece ser filha da fraqueza, e os palácios se sustentam sobre o poder, a prepotência e o medo. Quando as Igrejas aprenderão e levarão a sério esta verdade? O caminho da vida abundante para todos raramente passa pelos palácios. Para ver o povo e resgatar a compaixão ativa e redentora é preciso migrar para as periferias, sair do conforto e da segurança da própria barca, mesmo que seja “a barca de Pedro”...
“Despede as multidões...”
No fim da longa jornada, no entardecer das possibilidades de ajuda, os discípulos percebem a fome do povo e apelam para velhas e inócuas estratégias. Eles não conseguem ver solução para o drama do povo a não ser dentro da lógica do império. Sem um plano alternativo, pedem que Jesus disperse a multidão e cada um supra suas próprias necessidades. Entregam os famintos às frias leis do mercado. Nada mais adequado ao princípio que diz “cada um pra si e Deus por todos”.
A resposta de Jesus é direta e abate mortalmente tanto o espiritualismo escapista como o elitismo corrosivo dos discípulos. “Eles não precisam ir embora. Vocês é que têm de lhes dar de comer.” Longe de Jesus uma Igreja feita apenas de palavras e de ritos religiosos. Longe dele uma comunidade que se compraz em lavar as mãos diante das tragédias que se abatam sobre o povo. Basta de instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos impérios!
Os discípulos reagem rapidamente e, tentando disfarçar o egoísmo elitista de quem pensa apenas nos seus direitos e privilégios, sublinham os limites dos recursos disponíveis frente a tão grande demanda. O que representariam cinco pães e dois peixes para uma multidão de dez mil famintos? “Tragam isso aqui”, determina o Mestre. “O pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada”, ensina a sabedoria popular. O Reino dos céus é a universalização do acesso ao bem viver, a uma vida realmente boa.
De repente o mundo parece ter acordado para a escassez de alimentos e a ONU convocou e realizou atravès da FAO (em 2008) uma conferência urgente para discutir a questão e traçar soluções. Mas os países do norte rico se recusam a tirar a venda dos olhos e reconhecer as verdadeiras causas da emergência. São eles mesmos que, por mecanismos diversos e perversos travestidos de leis e acordos, subtraem da mesa do povo dos países pobres o alimento por eles mesmo produzido.
É verdade que nos últimos 40 anos a população da humanidade duplicou. Mas a produção de alimentos triplicou!... E se a fome vem crescendo, onde foi parar o excedente? Soa como cínica, para não dizer diabólica, a proposta de resolver a fome dos pobres com a aprovação dos transgênicos. O resultado não seria o acesso aos alimentos, mas a subordinação da produção alimentar à padronização e às leis do mercado, o que impediria ou destruiria a soberania e a segurança alimentar dos povos.
É preciso denunciar, como o fez com coragem a Santa Sé, os pífios resultados e as inócuas propostas da referida conferência. Sem romper e reverter a lógica do lucro e do controle dos alimentos por algumas poucas empresas multinacionais não há solução viável para a fome no mundo. E é preciso reverter prioridades! Em 2007 o mundo gastou em armamento 1,34 bilhões de dólares ($ 202,00/habitante), 190 vezes o montante pedido pela FAO para combater a fome no mundo!
A saída não é nem cada um pra si, nem considerar povo faminto um simples objeto de caridade. Do ponto de vista do Evangelho, povo é soberano e as autoridades estão a seu serviço. E não se trata de povos nacionais mas de um único povo, pois para os cristãos as nações modernas são realidades fictícias e, às vezes, violentas, cujos confins foram traçados com lanças e baionetas. Não é cristão um amor que se preocupa apenas com a vida dos conacionais.
A solução para esta crise sistêmica não está ao alcance de um país ou de uma Igreja particular. A ordem “dêem vocês mesmos de comer” começa com a adoção de um consumo moderado pelos povos ricos e com a erradicação da exploração comercial dos países ricos sobre os pobres. Eles não precisam dar de comer: basta que não expropriem dos países pobres aquilo que lhes pertence por direito e não lhes imponham receitas econômicas mortíferas e padrões de consumo insustentáveis.
Eis aqui uma missão irrenunciável das Igrejas cristãs e de cada discípula/o de Jesus: estabelecer e defender a soberania alimentar dos povos; exigir dos organismos multilaterais medidas concretas que possibilitem a toda a humanidade comer com dignidade, até à saciedade. Essa não é de modo algum uma tarefa estranha à fé. Que ninguém seja surpreendido pela declaração: “Afastem-se de mim, malditos, porque eu estava com fome e vocês não me deram de comer...”
O profeta Isaías, com uma mensagem que muitos hoje chamariam de romântica e irresponsável, conclama todas as pessoas que têm sede e fome e não têm dinheiro a comer e beber sem pagar. E olha que não se trata de apenas pão e água: o convite se estende ao leite e ao vinho! Haverá alimento suficiente se a humanidade entender que o caminho é a aliança de povos livres e não a dominação do mais forte, e se compreender que viver bem não é ter ou consumir muito, mas limitar as necessidades.
O alimento suficiente para saciar os que têm fome – e para encher muitos cestos para os que ainda virão – aparece quando Jesus assume o protagonismo e os discípulos se associam à sua ação. Se ele deixasse a solução às leis do mercado teríamos assistido à catástrofe de um povo, ao cinismo da religião e ao enriquecimento dos astutos. Valeu a chamada dos discípulos à prática daquilo que haviam escutado com admiração no sermão da montanha e nas parábolas do Reino...
O Espírito nos conduz do pão eucarístico ao pão para os famintos; da mesa da comunhão com Jesus Cristo à aliança com os oprimidos; do pão recebido à vida doada. Nada poderá nos separar do amor de Cristo e impedir que colaboremos com sua missão de devolver a dingidade aos homens e mulheres. Se Deus abre a mão e sacia o desejo de todo ser vivo, quem somos nós para fechar egoísticamente as mãos ou mantê-las sempre unidas em oração, como cínica desculpa para fugir da ação transformadora?
Deus, pai justo e mãe compassiva, tu queres que ninguém fique fora da festa da vida, e que nossa felicidade não esteja no aumento de propriedades mas na redução das necessidades: suscita e sustenta em nós a mesma compaixão que moveu Jesus na cura dos doentes, na acolhida dos marginalizados, na libertação dos oprimidos e no socorro aos famintos. Ensina às nossas comunidades a responsabilidade de ensaiar formas de vida mais sóbrias e solidárias. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
sexta-feira, 22 de julho de 2011
ONDE ETÁ NOSSO TESOURO TAMBÉM ESTÁ NOSSO CORAÇÃO
A escuta atenta, a compreensão profunda e a resposta engajada à Palavra de Deus é a base da sabedoria cristã. Sentindo-se limitado e incapaz de liderar seu povo, o contraditório rei Salomão pede a Deus que o ensine a ouvir, a fim de que aprenda a distinguir o bem do mal e possa governar seu povo com justiça. Ouvir os outros e ouvir a si mesmo/a com profundidade são atitudes que vão de mãos dadas, são os dois lados de uma mesma atitude.
Quem não experimenta dificuldades de orientar a própria vida e não se interroga sobre o rumo que deve tomar? A escuta responsável da Palavra de Deus é uma ajuda importante para bem conduzir tanto a vida pessoal como uma comunidade cristã. Trata-se, é claro, de uma Palavra que não está presa ao livro, mas que ressoa na vida e nos sinais dos tempos. E esta escuta não conduz de modo nehum à passividade: as pessoas que sabem escutar são também as mais capazes de iniciativa.
A Evangelho vem nos falando do mistério do Reino de Deus. Ele se parece com um semeador que, mesmo sabendo que parte da semente se perderá, não deixa de semear. É comparável também um plantador que, apesar de ter usado boa semente, é surpreendido pelo o capim que cresce junto com o trigo. É semelhante também à semente de mostarda: apesar de sua pequenez, está na origem de um apreciável arbusto. Seu dinamismo é comparável enfim ao fermento que desaparece na farinha.
Jesus nos apresenta hoje como modelo inspirador um trabalhador rural que encontra um precioso tesouro no campo do seu patrão. Ao encontrar o tesouro, o sujeito é tomado pela surpresa, pois não o procurava. Então ele o mantém escondido e, sem dizer nada a ninguém e cheio de alegria, se desfaz de tudo o que tem e compra o campo onde se escondia o tesouro. Para um simples empregado diarista, este é um negócio arriscado, e só se justifica pelo valor que o tesouro tem ao seus olhos.
Um segundo personagem que Jesus nos apresenta como modelo é um comerciante de pérolas preciosas. Este sim está empenhado na procura de uma pérola de grande valor e, quando a encontra, vende todos os seus bens e compra tal pérola. Este parece um negócio um pouco mais seguro, mas é comparável ao anterior no que diz respeito à necessidade de vender tudo para realizá-lo. Em ambos os casos, a experiência de encontrar algo precioso desestabiliza e chama a arriscar.
Eis o desafio para os discípulos e discípulas de Jesus: tendo descoberto a preciosidade do Reino de Deus – o valor irredutível e impagável da liberdade e da vida digna de cada pessoa em sua singularidade, o horizonte deslumbrante de um mundo de irmãos e irmãs de fato – , hipotecar ou subordinar tudo o mais – reputação, carreira, bem-estar individual e até família e religião – em função desse bem maior. Deus não tem tempo para tratar de pequenos negócios conosco. É tudo ou nada. E já!
Nosso batismo pressupõe esta opção de risco. Parece que poucas prssoas têm clara consciência disso, pois se não, como explicar o descompromisso com que muitos o celebram? Dá vontade de aumentar as exigências de preparação ou até interditar o batismo às pessoas que não acordam para o compromisso que ele implica. Mas o próprio Jesus ensina que o Reino de Deus é também semelhante a uma rede lançada ao mar, que recolhe peixes bons e peixes de qualidade questionável...
Como agentes da evangelização, precisamos prestar atenção à sabedoria dos pescadores. Primeiro, eles costumam se encantar mais com o mar que com as redes. Depois, sabem que não é sensato esperar que a rede recolha apenas peixes bons e apropriados para o consumo e o comércio; ela apanha peixes de todo tipo. O trabalho árduo e criterioso de separar peixes bons e peixes ruins não pode ser feito durante a pesca e em alto mar, mas vem depois.
“Quando a rede está cheia...”
Mas não tiremos conclusões apressadas e superficiais. Estre trabalho judicial não é de nossa responsabilidade, nem mesmo das nossas Igrejas. Antes de sermos pescadores somos peixes, e ninguém pode estar segura/o de sua própria qualidade. Deixemos ao fim dos tempos e aos anjos de Deus esta difícil tarefa de separar. Da nossa parte, avaliemos permanentemente a profundidade e a concretude prática da nossa adesão ao tesouro do Reino de Deus e continuemos a semeadura e a fermentação.
Quem poderá avaliar e saldar o mal que faz uma Igreja que prega um Deus que se recusa sentar-se à mesa com as/os pecadoras/es e prefere o distanciamento frio e nem sempre imparcial do juiz? O mal é ainda maior quando a própria instituição eclesial, na pessoa daqueles que deveriam ser pastores, age como poder judiciário rigoroso e implacável. As nuvens tenebrosas da inquisição se apresentavam de toga, ostentavam cruzes e participavam dos harmoniosos coros de canto gregoriano...
Mais uma vez, não estou propondo a passividade e a inércia diante das vítimas dos poderes e relações injustas. Deixar a Deus o julgamento final não significa furtar-se ao imperativo de discernir evangelicamente os fatos e de dar voz ao grito profético. Enquanto caminhamos na história, é o corpo agredido ou desnutrido das vítimas que exerce o papel de julgar todas os projetos, instituições e poderes. No próprio corpo dos oprimidos está inscrita a sentença daquelas/es que os agridem.
“Como um pai de família que tira do seu baú coisas novas e velhas...”
Finalmente, não façamos deduções apressadas. As parábolas de Jesus não sustentam teses dualistas. Bem e mal não são dois princípios metafísicos ou substâncias equivalentes e em eterno confronto. Jesus não fala do mal enquanto substância, mas de pessoas que agem mal, ou seja: pessoas que se opõem à lógica do Reino de Deus. Em todos os casos, a última palavra é do amor de Deus e da justiça do Reino. Os peixes imprestáveis são jogados no lixo da história.
Jesus termina esta bela e exigente seção das parábolas do Reino perguntando-nos se compreendemos o que acaba de nos ensinar. A resposta afirmativa e voluntariosa dos discípulos não convence, como demonstrarão posteriormente os acontecimentos. O próprio fato de que tenha explicado as parábolas nesta meditação não me garante que as tenha compreendido existencialmente, que seu ensino esteja configurando realmente a minhas ações, relações e opções.
Jesus Cristo se compara a um doutor da lei que entrou na escola do Reino do céu: ele sabe vasculhar o baú da história e tirar dele coisas novas e velhas. E convida os discípulos e discípulas a fazerem o mesmo. Quem descobrir o tesouro do Reino e vendeu tudo para ficar com ele não pode se contentar com “aquela velha opinião formada sobre tudo”, com as “antigas lições, de morrer pela pátria e viver sem razões”. Repetir velhas verdades e princípios genéricos é muito pouco. E bastante perigoso.
“A minha porção é guardar tuas palavras...”
Deus Pai e Mãe, amante das criaturas e condutor da história: teu projeto de comunhão solidária de todas as criaturas é o presente mais precioso e a herança mais comprometedora que poderias nos entregar. Foram tantos os homens e mulheres que, no decorrer da história, venderam ou perderam tudo para ficar com este tesouro. Ezequiel Ramin (assassinado aos 24.07.1985) foi um deles. Dá-nos a alegre ousadia de investir tudo o que somos e temos neste sonho de igualdade e comunhão, de diversidade e libertação. Ajuda-nos a considerá-lo mais precioso que o ouro, mais delicioso que o mel, mais orientador que qualquer versão de GPS. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
segunda-feira, 11 de julho de 2011
domingo, 10 de julho de 2011
3º Encontro Nacional de Irmãos Capuchinhos
O encontro teve como tema “O perfil e a mística do irmão leigo na ordem capuchinha”. Ajudaram na reflexão frei Edson Matias da província do Brasil Central e o irmão Cristiano, FFDM. O encontro contou ainda com a presença dos definidores gerais frei José Gislon, e frei Mark Schenk.
Também esteve presente o presidente da CCB e provincial de São Paulo frei Airton Grigoleto. Os dias do encontro proporcionaram, além das reflexões momentos de reencontro e vivência fraterna.Perfil e Mística do Irmão Leigo na Ordem Capuchinha.
Na Reflexão surgiram elementos
Os irmãos leigos são cerca de 20% na Ordem, variando em cerca de 11% em 1980 e cerca de 30% em 1969. Citou a Província da Tanzânia que foi praticamente composta por irmãos leigos décadas atrás, porque os bispos lá não permitiam capuchinhos presbíteros. Com a abertura para a ordenação presbiteral dos frades, diminuiu fortemente o número de irmãos leigos. Atualmente, há maior número de irmãos leigos na Europa, Estados Unidos e América Latina. Em contrapartida, na África e Ásia o número é baixo, sendo estes com a presença do cristianismo e da Ordem ainda muito recentes.
Quanto à formação, a proposta é ser igual para todos. Contudo, por vezes, há desigualdades na formação para frades que querem ser presbíteros e os que querem ser irmãos leigos. É comum os provinciais exporem não se saber qual formação dar aos irmãos leigos, principalmente no Pós-Noviciado. Mas o problema é que não estão sabendo qual formação dar a todos os formandos, reduzindo o Pós-Noviciado ao estudo acadêmico. E dizem se um frade quiser ser um marceneiro isso não é formação, relata o definidor. Citou um exemplo de discriminação, favorecendo à formação dos frades que querem o presbiterato, mesmo que isso não aconteça abertamente, na prática acontece.
No tocante à Pastoral Vocacional, há Província que exige o vocacionado ter curso superior para seu ingresso nela. Isso não é compatível com as orientações da Ordem. Lembrando que muitos frades populares não tinham grande intelectualidade, mas possuíam grande capacidade de relacionamento humano.
A maioria dos irmãos leigos, segundo o definidor, se mostra contente com o trabalho que fazem. As oportunidades de trabalho hoje são muito variadas e abertas. Mas ele diz encontrar muitas lamentações de irmãos diante da centralização em Paróquias. Os irmãos, por vezes, ficam soltos nos trabalhos das Paróquias. Por um lado, pode significar certa liberdade, mas, por outro, mostra falta de valorização do mesmo. Disse ser importante o provincial valorizar e desafiar os irmãos com os trabalhos. Há até lugares em que o irmão tem de procurar o que fazer, porque a Província não oferece. De modo que ocorre também do irmão ter de trabalhar independente, ocasionando-lhe, às vezes, certo isolamento. Um desafio à Ordem é um espaço em que os frades possam trabalhar juntos.
Quanto ao serviço da autoridade na Ordem, para ser exercido pelos irmãos leigos, isso já foi pedido à Santa Sé muitas vezes, inclusive com a presença dos ministros gerais. Um passo é que a Santa Sé não se opõe que os guardiães sejam irmãos leigos. Uma esperança para um futuro breve é de irmãos leigos serem vigários provinciais, devido também à nova composição da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada. Relata que, talvez, um medo da Santa Sé seja de que com a possibilidade de irmãos leigos como superiores maiores, as religiosas reivindiquem o mesmo. Essa questão da autoridade deve continuar sendo trabalhada em nosso meio, revendo nossas estruturas clericais que dependem de nós.
Referente à figura do irmão leigo, são bem vistos nas Províncias, raramente são discriminados, mas, a sociedade ainda não entende bem essa nossa expressão laical. Depende também de cada cultura, havendo lugar onde se vê até como uma ofensa não ser padre e ter se tornado irmão leigo. Lembrou, por fim, de Frei John Corriveau que queria ser chamado simplesmente de “irmão”. Isso nos incentiva em nossa vocação, no desafio a sermos realmente irmãos do povo.
Após esta exposição, foi aberto espaço para comentários dos irmãos ao frei Mark. E ele comentou mais um pouco que nos Estados Unidos a maioria dos jovens cursam faculdade e sobre a dificuldade em se conciliar os irmãos leigos e frades presbíteros nos mesmos trabalhos. Frei Gislon enfatizou que na Itália os capuchinhos trabalhavam na roça com o povo, o que marcou profundamente às pessoas, lhes chamando de “frades do povo”, e tendo os irmãos leigos esmoleres realmente os grandes promotores vocacionais.
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quinta-feira, 16 de junho de 2011
SANTÍSSIMA TRINDADE: MISTÉRIO DE COMUNHÃO, AMOR E COMPAIXÃO
“Deus misericordioso e clemente...”
Que as palavras não nos assustem nem escondam o que há de mais precioso em Deus. Que a consciência de que ele é mistério inexplicável não nos impeça de pensar, imaginar e avançar. Se a noção mistério não tem força de sedução e não impulsiona a ultrapassar as fronteiras da compreensão, não serve para nada e, portanto, não pode ser aplicada a Deus. Dizendo que Deus é mistério, afirmanos a necessidade de não ficar nas palavras, a insuficiência dos conceitos, e não o vazio de sentido.
Não podemos agir como pescadores que se encantam mais com as próprias redes que com o mar! O mistério da Trindade não é uma questão numérica. O que importa não é a quantidade – três, quatro ou cinco! Deus não é uma equação a ser resolvida mas uma experiência de profundidade e de profundidade que nos é possibilitada. Deus é uma experiência de um Amor gratuíto que nos envolve por todos os lados, desde sempre, em todas as situações, com todos os nomes.
Quando intuiu este mistério inominável e inapreensível, Moisés “curvou-se até o chão”, prostrado pelo espanto de um abraço assim imerecido e desproporcional: descobriu que Aquele que dá sentido e substância ao nosso ser é “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”, lento e vazio de cólera e punição. Moisés imaginava encontrar Deus subindo a montanha e conservá-lo na lei escrita na pedra fria, mas eis que Ele se manifestou descendo e e caminhando no meio do povo.
“Pois Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo...”
Um Deus que assim se revela e se esconde não tem prazer em limitar a liberdade e as possibilidades de vida das suas criaturas. Pelo contrário, cria e recria tudo permanentemente para que a vida seja sempre mais exuberante, para que todos possam viver bem, como nos lembram os povos originários. Ele é Pai e Mãe, ou vida que está na origem. Ele é Filho, ou vida que se entrega. Ele é Espírito, ou sopro vital e permanente que suscita e sustenta.
É insuficiente e falsa a imagem de um Deus pronto a punir o menor dos desvios daqueles/as que chamou à vida. É uma parcialidade culpável e mal-intencionada ensinar que Deus “não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até a terceira e quarta geração” e, ao mesmo tempo, omitir que “ele conserva a misericórdia por mil gerações, e perdoa as culpas, rebeldias e pecados”. O próprio e original na revelação judaico-cristã é o perdão e a compaixão, e não a punição.
Deus é Pai e Mãe, ou vida e amor que nos antecede, Deus antes de nós. Deus é Filho, ou vida e amor compartilhados, Deus conosco. Deus é Espírito, ou vida e amor em nós, ou Deus em nós e em todas as criaturas, ao ritmo da história. E o amor se caracteriza por chamar à vida e dar proteção, e nunca por limitar ou diminuir a vida. “Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu filho único, para que todo aquele que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna...”
“Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho Unico...”
Proclamando que nosso Deus é “tri-uno” estamos querendo dizer que ele não é solidão ou hierarquia, mas reciprocidade, paridade e comunhão no amor: Amante, Amado e Amor. Na Trindade se revela um Amor com rosto de pai-mãe, amor-fonte de vida; um Amor-dom com rosto de filho-filha, que é amor compartilhado e agradecido; um Amor-comunhão, com a força e o dinamismo de ambos. O Pai da tudo o de si ao Filho, no Espírito, menos sua paternidade; o Filho devolve tudo ao Pai e às criaturas, menos a sua filialidade; e o Espírito é o dinamismo vivo que suscita e sustenta este dom infinito e ininterrupto.
É verdade que dizer que Deus é Amor não ajuda muito. Esta palavra anda tão inflacionada como desgastada. Em nome dele se cometem loucuras e são feitas promessas que não duram mais que uma curta noite de verão. O amor é mais um verbo que um substantivo, e para falr responsavelmente dele devemos ter diante dos olhos o percurso histórico de Jesus de Nazaré: “sabemos o que é o amor, porque Jesus deu a sua vida por nos” (1Jo 3,16).
Suspiros românticos ou gestos de cortezia estão longe de expressar o significado do amor cristão. Amar é potencializar a vida, dar da vida pessoal e, em certos casos, dar a própria vida, como nos enisnou Dom Oscar Romero, São Luís Gonzaga (+ 21.06.1591). É isso que os evangelhos ressaltam na história de Jesus. Assim é Deus: um amor que envia; um amor que se deixa enviar e se entrega; um amor que é a comunhão entre aquele que envia e aquele que vem.
“Para que o mundo seja salvo por ele...”
No coração da melhor teologia desenvolvida pelo cristianismo está a convicção de que Deus não é um conceito a ser compreendido mais ou menos exaustivamente ou uma doutrina a ser aceita mais ou menos resignadamente, mas um mistério a ser adorado. A teologia, pelo menos a boa teologia, está a serviço da evangelização. Ou seja: a questão substancial não é compreender uma teoria mas salvar ou transformar as pessoas e o mundo.
Em Jesus Cristo, Deus se revela não apenas dizendo e ensinando algo sobre si mesmo, mas principalmente agindo, salvando: acolhendo pecadores, alimentando famintos, curando doentes, resgatando a cidadania dos excluídos. Assim, Jesus Cristo revela um Deus que não pode ser aprisionado na fria lei dos códigos de pedra ou de papel, que não assume a postura de um juiz distante e imparcial, mas um Deus que ama, que afirma o direito dos sem-direito, que age e julga em favor dos oprimidos.
Eis o caminho da Igreja, nascida para prosseguir a ação de Jesus Cristo: ser mais pastora que cuida da vida das ovelhas mais frágris e menos professora que ensina leis e doutrinas; sair do limbo dos princípios gerais e vazios e comprometer sua honra e sua influência na defesa dos grupos humanos ameaçados e explorados; engajar-se na urgente missão de salvar o mundo com a força do Evangelho e com os recursos do próprio mundo e evitar uma postura autosuficiente de julgamento e condenação.
“Sejas louvado e exaltado para sempre!”
Ao Deus Uno e Trino servimos eticamente, permanecendo no seu amor e prolongando-o criativamente. Na gratuidade despojada da oração e da celebração, vislumbramos os horizontes intocáveis da sua grandeza e dobramos os joelhos, tomados de espanto e gratidão. E então nosso louvor brota livre, belo e profundo, como uma forma estética do serviço a Deus. O verdadeiro ofício divino ou opus Dei está longe de se resumir ao recital cadenciado de velhos textos.
Daniel nos ensina a manter este louvor agradecido. Ele puxa a ladainha e pede que o acompanhemos num louvor que sabe repassar, como as contas do terço, as manifestações da bondade de Deus: na história dos nossos antepassados; nos homens e mulheres que mantêm a luta nos dias de hoje; na harmonia e na beleza do culto celebrado nos templos; na ousadia daqueles que governam e legislam com o povo e em seu nome; na grandeza do firmamento e na obscuridade misteriosa dos abismos...
“Bendito és tu, Senhor, Deus dos nossos pais!”
Deus querido e amável, Compaixão que não conhece ocaso, Abraço que não conhece limites, Comunhão que acolhe as diferenças, Amor que brilha no esvaziamento: glória a ti nas alturas celestes; glória a ti nos caminhos da história; glória a ti na intimidade das criaturas. Em ti somos, nos movemos e existimos. Tu és o ventre de onde viemos, o caminho que percorremos na companhia de tantos/as e a pátria pela qual anelamos. Ensina-nos a compartilhar o sentir e o pulsar dos irmãos e irmãs de todos os gêneros, gerações e rfeligiões. Que tua graça, teu amor e tua comunhão corram soltas nas veias das Igrejas e vençam as ameaças e punições, as leis e conceitos vazios, as hierarquizações e poderes. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Santo Antônio de Pádua
Os franciscanos eram conhecidos por percorrer caminhos e estradas, de povoado em povoado, de cidade em cidade, vestidos com seus hábitos simples e vivendo em total pobreza. Esse trabalho já produzia mártires. No Marrocos, por exemplo, vários deles perderam a vida por causa da fé e seus corpos foram levados para Portugal, fato que impressionou muito o jovem Fernando. Empolgado com o estilo de vida e de trabalho dos franciscanos, que, diversamente dos outros frades, não viviam como eremitas, mas saiam pelo mundo pregando e evangelizando, resolveu também ir pregar no Marrocos. Entrou para a Ordem, vestiu o hábito dos franciscanos e tomou o nome de Antônio.
Entretanto seu destino não parecia ser o Marrocos. Mal chegou ao país, contraiu uma doença que o obrigou a voltar para Portugal. Aconteceu, porém, que o navio em que viajava foi envolvido por um tremendo vendaval, que empurrou a nave em direção à Itália. Antônio desembarcou na ilha da Sicília e de lá rumou para Assis, a fim de encontrar-se com seu inspirador e fundador da Ordem, Francisco. Com pouco tempo de convivência, transmitiu tanta segurança a ele que foi designado para lecionar teologia aos frades de Bolonha.
Com apenas vinte e seis anos de idade, foi eleito provincial dos franciscanos do norte da Itália. Antônio aceitou o cargo, mas não ficou nele por muito tempo. Seu desejo era pregar, e rumou pelos caminhos da Itália setentrional, praticando a caridade, catequizando o povo simples, dando assistência espiritual aos enfermos e excluídos e até mesmo organizando socialmente essas comunidades. Pregava contra as novas formas de corrupção nascidas do luxo e da avareza dos ricos e poderosos das cidades, onde se disseminaram filosofias heréticas. Ele viajou por muitas regiões da Itália e, por três anos, andou pelo Sul da França, principal foco dessas heresias.
Continuou vivendo para a pregação da palavra de Cristo até morrer, em 13 de junho de 1231, nas cercanias de Pádua, na Itália, com apenas trinta e seis anos de idade. Ali, foi sepultado numa magnífica basílica romana. Sua popularidade era tamanha que imediatamente seu sepulcro tornou-se meta de peregrinações que duram até nossos dias. São milhares os relatos de milagres e graças alcançadas rogando seu nome. Ele foi canonizado no ano seguinte ao de sua morte pelo papa Gregório IX.
Na Itália e no Brasil, por exemplo, ele é venerado por ajudar a arranjar casamentos e encontrar coisas perdidas. Há também uma forma de caridade denominada "Pão de Santo Antonio", que copia as atitudes do santo em favor dos pobres e famintos. No Brasil, ele é comemorado numa das festas mais alegres e populares, estando entre as três maiores das chamadas festas juninas. No ano de 1946, foi proclamado doutor da Igreja pelo papa Pio XII
quinta-feira, 2 de junho de 2011
ASCENSÃO: RECONHECIMENTO DA HUMANIDADE E DIVINDADE DE JESUS
“Para que conheçam a esperança à qual ele vos chama...”
Conhecemos pessoas que perderam a esperança própria do cristanismo: repetem ritos e mais ritos, movidas pelo medo e desejosas de aplacar a ira de um deus feito à imagem e semelhança dos ditadores sanguinários; somam terços, novenas e missas tentando fugir das armadilhas do mundo e ganhar uma suspeita eternidade; multiplicam rezas e devoções para evitar o compromisso com uma libertação que se realiza na história. Uma vida assim desventurada pode ser chamada de cristã?
São Paulo deseja que o Espírito Santo nos revele Deus em sua amável nudez e nos ajude a conhecê-lo em sua profundidade. Conhecer Deus assim como ele se revelou em Jesus de Nazaré significa reconhecer e assimilar a esperança para a qual nos chamou e a herança gloriosa que nos deixou: a de ser seu corpo vivo na história, corpo sob o qual tudo o mais foi colocado e acima do qual nada de significativo existe, fora o próprio mistério de Deus.
Este Jesus Cristo no qual cremos e em nome do qual vivemos não é um espírito que se compraz em esvoaçar acima do mundo. Ele compartilhou conosco a corporeidade e sentiu fome; experimentou conosco a busca e a sede; dividiu conosco a angústia e a ternura; provou como nós o mel do amor e o fel da traição; abriu conosco e para nós um caminho de vida no frio corredor da morte; espalhou sementes de liberdade nas terras infectadas pela erva daninha da indiferença.
“Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?”
É mesquinha a visão que diz que a vida cristã se resume na aceitação resignada de uma doutrina, na harmonia simples e sedutora do cântico gregoriano, na beleza simbólica e profunda dos sacramentos, no suspiro pelo descanso eterno depois de uma vida atribulada. A vida cristã é muito mais que a contemplação extática da plenitude celeste. Os cristãos somos chamados a ser membros do corpo de Cristo, irmãos e irmãs na fraterna comunidade, sacramento da sua liberdade e profecia.
Os discípulos e discípulas de Jesus Cristo não podem resumir sua vida na simples contemplação de alguém que subiu ao céu, mesmo que este alguém seja o próprio Jesus Cristo. “Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” Professando a ascensão de Jesus, a comunidade cristã quer ressaltar mais uma vez que aquele corpo humano e marcado pelo trabalho, este homem constestado e condenado é assumido e reconhecido pelo próprio Deus como a expressão plena e cabal de si mesmo.
Mas a ascensão não é algo que tem a ver apenas com Jesus de Nazaré. Ele é o primogênito de muitos irmãos e irmãs. Ele é a cabeça de um corpo composto de muitos e variados membros. À glorificação do primogênito segue a honra dos seus irmãos e irmãs, começando pelos considerados menores. À elevação da cabeça segue o reconhecimento da dignidade daqueles que realizam sua vontade. E isso não vale só para um futuro incerto: é fato e convicção já agora.
“Recebereis o poder do Espírito Santo para serdes minhas testemunhas...”
Isso significa também que a ascensão de Jesus Cristo não é apenas o fim de sua presença no meio de nós: é também o início de nossa missão em seu nome. A liturgia da ascensão está inteiramente focada nesta responsabilidade intransferível e inadiável da comunidade cristã. Profundamente convictos de que o Crucificado foi exaltado, os cristãos vencem o medo de tudo e se tornam testemunhas de Jesus Cristo no coração do mundo e nos pulmões da história. E, nesta missão, se recusam a reconhecer fronteiras políticas e culturais e não se intimidam diante da própria fraqueza.
Este testemunho, sendo uma forma de manter viva a memória de Jesus de Nazaré, tem força de transformação. Trata-se de ostentar em nosso corpo as marcas de Jesus Cristo: sentir o que ele sentiu; amar como ele amou; sonhar como ele sonhou; viver como ele viveu; servir os últimos e desafiar os poderes como ele fez. Ser testemunha é anunciar Jesus Cristo e defender aqueles por quem ele deu a vida, é atestar a veracidade do seu caminho e a beleza do seu projeto de vida.
Mas este testemunho não é apenas uma questão de vontade ou de mera imposição. É o próprio Sopro de Deus que nos faz testemunhas: aquele mesmo Espírito que cria tudo a partir da massa informe e vazia; que transforma um monte de ossos secos num povo que caminha e luta; que gera vida no ventre virgem de uma mulher; que une num mesmo objetivo os diferentes membros do corpo; que suscita a profecia num grupo de medrosos e torna ativa e frutuosa uma comunidade antes dependente.
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos.”
Como comunidade de irmãos e irmãs, este povo novo que chamamos Igreja, é constituído testemunha “em Jerusalém, na Judéia, na Samaria e até os confins do mundo”. Aqui e em todos os cantos da terra. A missão não tem fronteiras, o testemunho não conhece limites. Ser missionário é sair de si, apenas sair de si, mas sempre sair de si. E isso supõe deixar de pensar que somos maiores e melhores que os outros. E ter presente que o que temos a oferecer é um caminho de discipulado, de busca de Deus e seu Reino.
A referência da missão não somos nós individualmente, nem simplesmente a Igreja. Somente em Jesus Cristo repousa a autoridade no céu e na terra, e diante dele todos dobramos os joelhos. E não esquecemos que esta autoridade lhe vem da fidelidade até à cruz, e não da submissão à lógica do mundo, como lhe fora proposto pelo tentador (cf. Mt 4,8). É dele que recebemos a ordem de partir mundo como ovelhas entre lobos, como embaixadores de um novo céu e uma nova terra.
A palavra de Jesus Cristo atesta que sua ascensão não é um movimento de distanciamento em relação aos seus discípulos e discípulas, nem uma fuga do mundo e das suas tensões e disputas. “Estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos...” Todos os dias! E até que este mundo, graças à ação suscitada e sustentada nos cristãos pelo Espírito Santo, dê lugar a um outro mundo, àquele mundo sonhado e desejado por Deus desde sempre, ao Mundo Novo que é a finalidade da criação.
“Aclamem a Deus com gritos de alegria”
A ascensão de Jesus é a realização do cântico de Maria: Deus mostrou a força do seu braço elevando os humildes e derrubando os poderosos. É a confirmação da ensino de Jesus: os últimos para o mundo são os primeiros no Reino de Deus. É a validação da nossa esperança: a justiça e o amor são mais fortes do que a morte. É a mais nobre proclamação da dignidade dos sem-dignidade. É a descoberta da continuidade da missão de Jesus mediante o engajamento generoso daqueles/as que nele acreditam.
Que o Espirito Santo nos ajude a conhecer Deus em profundidade e nos liberte da tentação de reduzí-lo à pequena dimensão dos nossos medos e interesses pessoais e eclesiais (tão em moda ultimamente!). Movidos pelo Espírito, aclamemos com alegria jubilosa a manifestação de Deus na humanidade de Jesus de Nazaré e na comunidade dos discípulos e discípulas que ousam viver e agir em seu nome. Que ele ajude a Igreja a descobrir sua condição de corpo de Cristo, subordinada e obediente somente a ele.
Deus Pai e Mãe, mistério de amor que acolhe e envia, que gera comunhão e dispersa em missão, que une compaixão e justiça: aqui estamos reunidos/as para pedir que em nós se cumpra tua promessa. Envia à tua Igreja e a cada fiel o fogo do teu Espírito. Faze de nós uma comunidade em missão, um povo que congregue no seu seio todos os homens e mulheres de boa vontade, que seja uma imensa caravana empenhada no resgate da cidadania e da dignidade dos teus filhso e filhos, em todos os quadrantes da terra. Ajuda as Igrejas que nasceram do lado aberto do teu Filho crucificado a buscarem a unidade, sem superficilismos e sem desculpas. E não nos deixes cair na tentação do cinismo imperialista, da violência terrorista, da intolerância punitiva, da concorrência odiosa, da acomodação esterilizante. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf