(Ex 17,3-7; Sl 94/95; Rm 5,1-2.5-8; Jo 4,5-42)(27.03.2011 – Pe. Itacir)
No primeiro domingo da quaresma fomos convidados a vencer o pecado na força da Palavra de Deus. No último domingo, o convite foi para escutar o Filho amado de Deus e Servo da humanidade. Neste terceiro domingo da quaresma somos convidados a descobrir a presença de Jesus no meio de nós. Ele vem ao nosso encontro como pedinte, mas desce às profundezas do nosso ser, derruba os muros que separam, liberta-nos de uma rotina de estéril dependência, desperta nossa Sede de Vida, relativiza as ideologias religiosas e nos torna capazes de missão. O vida é dom de Deus e não conhece limites nem fronteiras, diferente do poço de Jacó, fonte de divisões entre judeus e samaritanos.
“O povo, sedento de água, murmurava...”
Em plena travessia do deserto, no seu êxodo para a terra prometida, o povo de Deus se pergunta, cansado e quase devorado pela fome e pela sede: “Deus está ou não no meio de nós?” Da mesma forma, para muitas pessoas que hoje sofrem e suspiram por uma vida melhor e um mundo mais justo, a pergunta fundamental não é se Deus existe, mas se ele está mesmo presente na história, se ele se importa realmente com a sorte das suas criaturas.
Na pergunta do povo cansado de caminhar o que transparece não é somente uma dúvida de fé, mas também o medo de traçar o próprio destino e de avançar. Está patente o desejo de voltar atrás, mesmo que isso signifique voltar a uma forma vida controlada, minguada e explorada. A Igreja católica conhece bem este medo: arrastado por ele, vem abandonando sistematicamente os avanços conciliares e restaurando estruturas e práticas aparentemente mais seguras.
Moisés toca na rocha e a água brota abundante, um sinal credível da presença de Deus no meio do seu povo. O foco central do acontecimento rememorado não é um prodígio que estaria revelando um pretenso poder de Deus, mas a presença palpável de Deus na caminhada do seu povo escolhido, rumo à própria liberdade e autonomia. A narração proclama a presença libertadora de Deus em meio a todas as lutas humanas, por mais contraditórias que pareçam ser.
“Dá-me de beber...”
No evangelho de hoje, João nos apresenta Jesus como sacramento de Deus que vem ao nosso encontro. Ele se aproxima cansado, sedento, necessitado, pedinte. O mesmo Deus que fez surgir água no deserto aparece trilhando nossas estradas e pedindo nossa ajuda. E assim faz para provocar uma troca de dons, para nos ajudar a descobrir nossas próprias sedes, nosso Desejo mais profundo: conhecê-lo e viver plenamente. “Dá-me desta Agua Viva!”
Como aquela mulher da Samaria, às vezes imaginamos que somos poderosos, prendemo-nos às regras, doutrinas, instituições, tradições e leis, e não esperamos nada de novo. Inventamos muros que separam povos, religiões e culturas e esquecemos nossa própria Sede. Fazemos de conta que elas nos bastam e garantem a vida, e que fora delas não há vida possível e desejável. “Tu não tens balde e o poço é fundo... Como vais tirar esta água viva?”
Jesus nos lembra que as religiões, culturas, instituições, tradições e leis não estão em condiçõesde saciar as mais profundas sedes humanas. A função da religião não é estancar mas manter viva aquela Sede que dinamiza a vida de cada ser humano, que convida a trilhar caminhos não conhecidos, que fez descobrir novas possibilidades de organizar o mundo e a sociedade, que revela possibilidades alternativas de comunhão e solidariedade entre os povos.
“Os nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas...”
Como aquela mulher da Samaria, às vezes buscamos maridos ou uma sorte de muletas que possam sustentar nossos projetos pequenos e esgoístas: a pátria, a cultura cristã ocidental, a raça, a religião, a igreja, o partido ou, nos últimos tempos, o livre mercado. Pensamos que eles nos ajudam a viver e crer de modo correto: “Os nossos pais adoraram Deus sobre este monte, mas vocês dizem que é em Jerusalém que se deve adorá-lo...” Fora disso, no máximo, aderimos a alguma campanha ambiental bem localizada.
Mas com isso acabamos provocando apenas divisões e pobreza. A saída para os vazios e carências da vida e da história não é fabricar deuses à imagem e medida dos nossos medos e interesses. Agarrar-se e submeter-se a esta espécie de maridos ou senhores que encarnam ideologias tão totalitárias quanto frágeis só nos leva a esquecer nossa verdade mais verdadeira. A pretensão de aprisionar o Deus de Jesus Cristo em lugares e fórmulas não leva a lugar nenhum.
Precisamos compreender urgentemente que Deus procura verdadeiros/as adoradores/as, pessoas que adoram o Pai em espírito e verdade, ou em ação e fidelidade. Estes são os discípulos e discípulas que, como o Mestre, têm como alimento o desejo de fazer a vontade de Deus, completando e participando da sua obra: produzir vida abundante para seu povo, gerar mais solidariedade que divisão, exercitar mais acolhida que doutrina, propor mais ações do que palavras.
“Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz...”
O jeito de se aproximar, a acolhida sem limites por parte de Jesus leva aquela mulher da Samaria a descobrir sua própria verdade, inclusive seus erros. Assim ela deixa de repetir mecanicamente as ações determinadas pelo hábito, pela cultura e pela condição social e se torna “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Ela ousa deixar o balde e correr à cidade para anunciar: “Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Messias?” Nasce aqui uma apóstola do Evangelho.
Como anuncia Paulo, por meio de Jesus Cristo estamos em paz com Deus e nos animamos na esperança. Esta esperança não engana, pois o amor de Deus já nos envolve e dinamiza mediante o Espírito Santo. E isso não porque já estejamos convertidos e isentos de pecado. Deus demonstra e garante para sempre seu amor porque se entregou por nós mesmo que sejamos pecadores. Eis a razão de nossa esperança. Eis o fundamento de onde parte a nossa missão.
No espírito da caminhada quaresmal, não podemos esquecer que esta fonte de água viva à qual Jesus faz referência é também uma alusão ao batismo. Enquanto encontro pessoal com Jesus de Nazaré nos caminhos da história e no seio da Igreja, o batismo nos devolve à própria originalidade e nos torna livres de tudo, fontes de liberdade para os demais, testemunhas alegres de um Deus que nos conhece porque nos ama, e nos ama não porque sejamos bons, mas porque ele é bom.
“Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto à fonte...”
Num lugar deserto, a água é escassa e adquire grande importância e sacramentaliza a vida, a hospitalidade e acolhida. Aquele poço tinha uma história de mais de 1000 anos, uma história eivada de conflitos, pretensões de exclusividade e de exclusões. Aliás, também hoje a água é fonte de conflitos. Mesmo que a ONU tenha declarado (em 08.06.2010) que a água (junto com o saneamento básico) seja um direito humano essencial, mais de 900 milhões de pessoas não têm hoje acesso à água potável.
Ao lado da falta de saneamento, a falta de acesso à água de boa qualidade é responsável direta pela morte 1,5 milhão de crianças com menos de cinco anos de idade somente na América Latina. É preciso que nos engajemos em primeira pessoa no combate ao desperdício e à poluição da água, assim como na revisão das prioridades de uso, colocando no centro o direito humano, de todos os animais e da própria terra (cf. CF 2011, n° 72). Também este é um sinal da fonte de água viva que jorra desde o nosso interior.
Hoje é o dia em que Jesus se aproxima e, sentado à beira do poço, volta a nós seu olhar e pede nossa colaboração. Ele marcou um encontro conosco, num poço qualquer, à beira de uma estrada. Ele é a rocha que se torna fonte de água abundante na qual somos batizados. Ele é a água acessível à nossa sede, o senhor que age como irmão, o semeador que nos convida à colheita, o profeta que desperta nossa profecia, o alimento que precisamos conhecer.
Como aquela anônima samaritana, Jesus peregrino, estamos demasiadamente seguros dos meios e doutrinas que recebemos da tradição e restringimo-lhes o acesso. Toca com tua mão, ou com o teu chicote de cordas, as pedras das nossas instituições e a crosta do nosso coração, libertando a água viva e livre que tentam aprisionar. E faz com que todos/as os/as que viemos a este encontro contigo experimentemos tua santa liberdade e nos tornemos testemunhas intrépidas de uma religião que não se compraz apenas na repetição de ritos e doutrinas. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
No primeiro domingo da quaresma fomos convidados a vencer o pecado na força da Palavra de Deus. No último domingo, o convite foi para escutar o Filho amado de Deus e Servo da humanidade. Neste terceiro domingo da quaresma somos convidados a descobrir a presença de Jesus no meio de nós. Ele vem ao nosso encontro como pedinte, mas desce às profundezas do nosso ser, derruba os muros que separam, liberta-nos de uma rotina de estéril dependência, desperta nossa Sede de Vida, relativiza as ideologias religiosas e nos torna capazes de missão. O vida é dom de Deus e não conhece limites nem fronteiras, diferente do poço de Jacó, fonte de divisões entre judeus e samaritanos.
“O povo, sedento de água, murmurava...”
Em plena travessia do deserto, no seu êxodo para a terra prometida, o povo de Deus se pergunta, cansado e quase devorado pela fome e pela sede: “Deus está ou não no meio de nós?” Da mesma forma, para muitas pessoas que hoje sofrem e suspiram por uma vida melhor e um mundo mais justo, a pergunta fundamental não é se Deus existe, mas se ele está mesmo presente na história, se ele se importa realmente com a sorte das suas criaturas.
Na pergunta do povo cansado de caminhar o que transparece não é somente uma dúvida de fé, mas também o medo de traçar o próprio destino e de avançar. Está patente o desejo de voltar atrás, mesmo que isso signifique voltar a uma forma vida controlada, minguada e explorada. A Igreja católica conhece bem este medo: arrastado por ele, vem abandonando sistematicamente os avanços conciliares e restaurando estruturas e práticas aparentemente mais seguras.
Moisés toca na rocha e a água brota abundante, um sinal credível da presença de Deus no meio do seu povo. O foco central do acontecimento rememorado não é um prodígio que estaria revelando um pretenso poder de Deus, mas a presença palpável de Deus na caminhada do seu povo escolhido, rumo à própria liberdade e autonomia. A narração proclama a presença libertadora de Deus em meio a todas as lutas humanas, por mais contraditórias que pareçam ser.
“Dá-me de beber...”
No evangelho de hoje, João nos apresenta Jesus como sacramento de Deus que vem ao nosso encontro. Ele se aproxima cansado, sedento, necessitado, pedinte. O mesmo Deus que fez surgir água no deserto aparece trilhando nossas estradas e pedindo nossa ajuda. E assim faz para provocar uma troca de dons, para nos ajudar a descobrir nossas próprias sedes, nosso Desejo mais profundo: conhecê-lo e viver plenamente. “Dá-me desta Agua Viva!”
Como aquela mulher da Samaria, às vezes imaginamos que somos poderosos, prendemo-nos às regras, doutrinas, instituições, tradições e leis, e não esperamos nada de novo. Inventamos muros que separam povos, religiões e culturas e esquecemos nossa própria Sede. Fazemos de conta que elas nos bastam e garantem a vida, e que fora delas não há vida possível e desejável. “Tu não tens balde e o poço é fundo... Como vais tirar esta água viva?”
Jesus nos lembra que as religiões, culturas, instituições, tradições e leis não estão em condiçõesde saciar as mais profundas sedes humanas. A função da religião não é estancar mas manter viva aquela Sede que dinamiza a vida de cada ser humano, que convida a trilhar caminhos não conhecidos, que fez descobrir novas possibilidades de organizar o mundo e a sociedade, que revela possibilidades alternativas de comunhão e solidariedade entre os povos.
“Os nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas...”
Como aquela mulher da Samaria, às vezes buscamos maridos ou uma sorte de muletas que possam sustentar nossos projetos pequenos e esgoístas: a pátria, a cultura cristã ocidental, a raça, a religião, a igreja, o partido ou, nos últimos tempos, o livre mercado. Pensamos que eles nos ajudam a viver e crer de modo correto: “Os nossos pais adoraram Deus sobre este monte, mas vocês dizem que é em Jerusalém que se deve adorá-lo...” Fora disso, no máximo, aderimos a alguma campanha ambiental bem localizada.
Mas com isso acabamos provocando apenas divisões e pobreza. A saída para os vazios e carências da vida e da história não é fabricar deuses à imagem e medida dos nossos medos e interesses. Agarrar-se e submeter-se a esta espécie de maridos ou senhores que encarnam ideologias tão totalitárias quanto frágeis só nos leva a esquecer nossa verdade mais verdadeira. A pretensão de aprisionar o Deus de Jesus Cristo em lugares e fórmulas não leva a lugar nenhum.
Precisamos compreender urgentemente que Deus procura verdadeiros/as adoradores/as, pessoas que adoram o Pai em espírito e verdade, ou em ação e fidelidade. Estes são os discípulos e discípulas que, como o Mestre, têm como alimento o desejo de fazer a vontade de Deus, completando e participando da sua obra: produzir vida abundante para seu povo, gerar mais solidariedade que divisão, exercitar mais acolhida que doutrina, propor mais ações do que palavras.
“Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz...”
O jeito de se aproximar, a acolhida sem limites por parte de Jesus leva aquela mulher da Samaria a descobrir sua própria verdade, inclusive seus erros. Assim ela deixa de repetir mecanicamente as ações determinadas pelo hábito, pela cultura e pela condição social e se torna “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Ela ousa deixar o balde e correr à cidade para anunciar: “Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Messias?” Nasce aqui uma apóstola do Evangelho.
Como anuncia Paulo, por meio de Jesus Cristo estamos em paz com Deus e nos animamos na esperança. Esta esperança não engana, pois o amor de Deus já nos envolve e dinamiza mediante o Espírito Santo. E isso não porque já estejamos convertidos e isentos de pecado. Deus demonstra e garante para sempre seu amor porque se entregou por nós mesmo que sejamos pecadores. Eis a razão de nossa esperança. Eis o fundamento de onde parte a nossa missão.
No espírito da caminhada quaresmal, não podemos esquecer que esta fonte de água viva à qual Jesus faz referência é também uma alusão ao batismo. Enquanto encontro pessoal com Jesus de Nazaré nos caminhos da história e no seio da Igreja, o batismo nos devolve à própria originalidade e nos torna livres de tudo, fontes de liberdade para os demais, testemunhas alegres de um Deus que nos conhece porque nos ama, e nos ama não porque sejamos bons, mas porque ele é bom.
“Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto à fonte...”
Num lugar deserto, a água é escassa e adquire grande importância e sacramentaliza a vida, a hospitalidade e acolhida. Aquele poço tinha uma história de mais de 1000 anos, uma história eivada de conflitos, pretensões de exclusividade e de exclusões. Aliás, também hoje a água é fonte de conflitos. Mesmo que a ONU tenha declarado (em 08.06.2010) que a água (junto com o saneamento básico) seja um direito humano essencial, mais de 900 milhões de pessoas não têm hoje acesso à água potável.
Ao lado da falta de saneamento, a falta de acesso à água de boa qualidade é responsável direta pela morte 1,5 milhão de crianças com menos de cinco anos de idade somente na América Latina. É preciso que nos engajemos em primeira pessoa no combate ao desperdício e à poluição da água, assim como na revisão das prioridades de uso, colocando no centro o direito humano, de todos os animais e da própria terra (cf. CF 2011, n° 72). Também este é um sinal da fonte de água viva que jorra desde o nosso interior.
Hoje é o dia em que Jesus se aproxima e, sentado à beira do poço, volta a nós seu olhar e pede nossa colaboração. Ele marcou um encontro conosco, num poço qualquer, à beira de uma estrada. Ele é a rocha que se torna fonte de água abundante na qual somos batizados. Ele é a água acessível à nossa sede, o senhor que age como irmão, o semeador que nos convida à colheita, o profeta que desperta nossa profecia, o alimento que precisamos conhecer.
Como aquela anônima samaritana, Jesus peregrino, estamos demasiadamente seguros dos meios e doutrinas que recebemos da tradição e restringimo-lhes o acesso. Toca com tua mão, ou com o teu chicote de cordas, as pedras das nossas instituições e a crosta do nosso coração, libertando a água viva e livre que tentam aprisionar. E faz com que todos/as os/as que viemos a este encontro contigo experimentemos tua santa liberdade e nos tornemos testemunhas intrépidas de uma religião que não se compraz apenas na repetição de ritos e doutrinas. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário