sexta-feira, 4 de março de 2011

A Fé sem ação é sintidmento vazio e abrigo perigoso

(Dt 11,18.26-28.32; Sl 30/31; Rm 3,21-25.28; Mt 7,21-27)
É conhecida a resposta que Gandhi teria dado a um jornalista que lhe perguntara por quê não se tornava cristão: “Eu considero o Evangelho de Jesus Cristo um belo e verdadeiro caminho de liberdade, mas não vejo este testemunho de liberdade na vida dos cristãos”. Precisamos tomar consciência da distância que existe entre a nossa adesão formal ou intencional a Jesus Cristo e as nossas práticas e opções concretas. Gostamos demais do louvor, das aclamações, das mensagens belas e descafeinadas que circulam na internet, dos bons sentimentos, da escuta tranquila da Palara de Deus no ambiente harmônico dos templos... Mas a nossa fé deve aparecer nas práticas, ou então não é verdadeira.

“A pessoa é justificada pela fé...”
Para sublinhar a novidade e a gratuidade da vida possibilitada por Jesus Cristo, São Paulo gosta de repetir alguns princípios: todos os seres humanos estão sob a influência do dinamismo do pecado e não conseguem por si mesmos a plena realização de suas metas; Jesus Cristo concede a todos os homens e mulheres e de forma gratuita a possibilidade de uma vida realmente livre e solidária; todas as pessoas alcançam esta liberdade e realização mediante a fé que age pelo amor.
Dizer que somos salvos pela fé e não pelas obras significa afirmar que alcançamos a plena realização da nossa vocação no mundo abrindo-nos aos outros e ao futuro, e não fechando-nos no presente e nos interesses e vantagens individuais. A ação redentora de Jesus Cristo, prolongada no tempo e no espaço pelo Espírito enviado como graça e força a todas as criaturas, é fundamentalmente uma abertura real e ativa à Vida que se realiza em nós e no nosso tempo, mas que sempre nos ultrapassa.
Nesta perspectiva, a Palavra de Deus tem força de salvação porque, despertando-nos e colocando-nos em atitude de escuta, rompe com as forças de ensimesmamento e nos chama a fazer do outro que fala e interpela nosso centro de atenção e ação. E esta abertura não tem nada de passividade: é uma ação no sentido mais pleno e profundo da palavra. A própria Palavra de Deus não é substantivo nem adjetivo, mas verbo, ação. A fé que salva nada tem a ver com passividade!

“Prendei estas palavras como sinal às vossas mãos...”
O livro do Deuteronômio é uma espécie de longa catequese ou detalhada homilia que Moisés dirige ao povo hebreu antes da sua entrada na terra prometida. Em todo o livro predomina um clima de memória dos acontecimentos fundamentais do Egito e da travessia do deserto. Ao mesmo tempo, o livro do Deuteronômio oferece uma série de advertêmcias e orientações para o futuro próximo e remoto, quando as tribos tiverem conquistado a terra prometida e nela estabelecido moradia.
“Coloquem estas minhas palavras no seu coração e na sua alma...” É preciso que a memória da presença ativa e libertadora de Deus nos acontecimentos desça da cabeça ao coração e se estabeleça como princípio de vida, atinja a ‘alma’ da pessoa. A fé não pode se deter no simples sentimento de gratidão ou de confiança, por mais nobre que seja. A Palavra de Deus – clamor e promessa – precisa penetrar na medula do nosso ser e ser assimilada como princípio e horizonte de vida.
“Amarrem estas palavras na mão, como um sinal.” Da mente ao coração, do coração à alma, da alma às mãos. A fé no Deus que se revela aliado da humanidade e companheiro nas suas lutas é frutuosa na medida em que une num mesmo movimento o pensamento, o sentimento, as opções e as práticas concretas. “Cuidem de colocar em prática”, insiste Moisés. Como nos lembra magistralmente o Capítulo 11 da Carta aos Hebreus, a fé é sempre dinamismo histórico de resistência e de ação.

Nem todo aquele que me diz ‘Senhor!’ ‘Senhor!’...”
Estamos no contexto das bem-aventuranças, no epílogo do “sermão da montanha” (cf. Mt 5,1-7,28). Depois de acenar para a felicidade desejada por todos e alcançada pelos pobres em espírito, pelos que sofrem, pelos mansos, pelos que têm fome e sede de justiça, pelos que fazem a paz e praticam a misericórdia, pelos que mantém a integridade e suportam as perseguições, Jesus propõe aos discípulos e discípulas uma fé mais radical que aquela mostrada pelos fariseus e doutores da lei.
E Jesus de Nazaré conclui esta famosa pregação recolhida por Mateus acentuando a dimensão prática, ativa e concreta da sua Boa Notícia. Sua Palavra é bela, e é tão saboroso quanto necessário meditá-la demoradamente. Mas é preciso evitar a tentação de ficar na superfície e na exterioridade, pois isso significa fazer o mal, como não socorrer as pessoas necessitadas (cf. Mt 25,41-46). O Evangelho sofreria uma espécie de piedoso sequestro se não levasse a uma ação renovada e consequente na sociedade.
É um engano imaginar que basta ter as palavras da bíblia ‘na ponta da língua’, anunciar o nome de Jesus como único e suficiente salvador, dirigir a ele orações constantes e fervorosas. Há até quem se apresente como bom e exemplar, provocando obras de efeito, supostos pequenos ou grandes milagres. Mas isso significa pouco e é perigoso se não vier sustentado pela prática de ‘toda justiça’, pela aproximação ativa e solidária dos últimos, pela tranformação até à raiz do próprio ser.
“Jamais conheci vocês. Afastem-se de mim, malfeitores...” Estas palavras não se dirigem a pessoas que não praticam atos religiosos, mas exatamente àquelas que reduzem a fé a uma repetição de palavras, fórmulas, doutrinas e ritos. Faz o mal (é malfeitor) não simplesmente quem que se distancia da religião, mas quem, recorrendo até a piedosas desculpas, evita a aventura da fé e foge da prática da Palavra ouvida e meditada. A Palavra de Deus precisa ser luz que ilumina a caminhada (cf. Sl 119,105).

“É como um homem sem juízo...”
Somos chamados a ser pessoas sensatas e ajuizadas, a edificar a vida sobre fundamentos sólidos. A palavra ‘casa’ faz lembrar família (em hebraico usa-se o mesmo substantivo para dizer casa e família) e comunidade (a casa ou família de Deus). Pessoas com juízo não edificam a vida e a Igreja sobre simples palavras. Uma Igreja que queira ser fiel ao seu Fundador e significativa para o mundo não pode se limitar a hinos, doutrinas e decretos. A casa cairia e a ruína seria completa...
É pelos frutos que se conhece a qualidade da árvore. É pelas alianças que se conhecem os reais princípios de um partido. É pelas ações cotidianas que uma pessoa se dá a conhecer em profundidade. É pela qualidade do serviço aos pobres e injustiçados que se conhece a fé de uma comunidade eclesial. Ser sal da terra e luz do mundo implica em gastar-se e perder-se para que a vida não se corrompa, em ‘se desviver’, como dizem os irmãos e irmãs de língua espanhola.
Jesus Cristo não se reconhece nas pessoas que apenas anunciam seu nome e em seu nome fazem ações espetaculares. Não precisamos recorrer a Marx para enfatizar a necessidade da ação transformadora, até porque esta ação é política e econômica, mas vai muito além do trabalho e da ação revolucionária. Jesus Cristo é suficientemente claro e enfático para nos tirar da piedosa letargia das celebrações e da sedutora beleza dos castiçais, incensos, alfaias e cânticos. Tempestades tardam mas costumam vir...

“Pelo teu nome, me diriges e me guias.”
Na próxima segunda-feira (7 de março), celebramos a memória das santas Perpétua e Felicidade, mulheres norte-africanas martirizadas a mando do Império Romano, no ano 203. E, no dia seguinte, celebramos o Dia Internacional da Mulher, reverenciando milhares de mulheres que padeceram sob as garras do machismo, do patriarcalismo, do capitalismo e tantos outros ‘ismaos’, e de milhões de companheiras que ainda hoje lutam pela igualdade e pela diferença.
Com honestidade e um pouco de remorso pergunto: e qual é a condição das mulheres no cristianismo católico romano de hoje? Causam dor e asco as justificativas esfarrapadas que saem da boca e das penas de suntuosos hierarcas brancos, ocidentais, machos e celibatários para excluir as mulheres dos ministérios. Gritam “Senhor! Senhor!” nas praças e púlpitos, pedem ao Senhor da Messe que envie vocações porque a missão é demasiado grande, mas negam o ministério à metade do povo católico...
A ti, Jesus de Nazaré, Profeta da boa notícia e caminho para o Reino, voltamos nosso olhar e nossa prece. Dá-nos a coerência entre o que anunciamos e o que fazemos. Livra tuas Igrejas da passividade diante dos males que golpeiam teus filhos e filhas e do refúgio na doutrina e nos ritos. Cura tuas comunidades da incoerência que as leva a negar com a vida aquilo que anunciam com as palavras. E faz com que tua santa Palavra desça da cabeça ao coração e do coração às mãos. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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