quinta-feira, 21 de abril de 2011

Passar da Celebração na igreja para a ação na vida

Hoje celebramos a Aliança nova e eterna que Deus renova conosco, seu povo amado, família na qual seu Filho se faz irmão. A mesa está pronta, a toalha está linda, as flores estão coloridas e o alimento é simples e saboroso. E há lugar para todos/as, inclusive para pecadores/as como nós. O próprio Jesus nos diz que preparou e desejou ardentemente celebrar esta ceia conosco. E aqui a acorremos porque intuímos que não temos outra honra ou glória que esta de trazer em nossos sonhos, projetos, ações e relacionamentos as marcas da cruz de Cristo, do seu amor sem fronteiras. Aqui estamos para ouvir de novo as palavras do seu testamento, para provar mais uma vez como ele nos ama, para continuar o dinamismo da sua missão no mundo. Ele acolhe os frutos da terra e do nosso trabalho e os transforma em sinais do seu amor e da sua presença, para nos lembrar que em cada criatura que habita este Planeta brilha um raio da sua beleza.


“Este dia será para vós uma festa memorável...”
Na mesa que reúne as pessoas que desejam ardentemente viver a fraternidade, fazemos memória, recordamos. Com o povo de Israel e todos os povos, trazemos de novo ao coração as inúmeras travessias já realizadas ou ainda em processo: travessias com avanços e retrocessos, quedas e recomeços, sonhos e traições; travessias marcadas por uma Presença que se mostra, ao mesmo tempo, como nuvem luminosa e como sombra acolhedora; travessias nas quais damos o melhor que podemos para que as dores de agonia da Terra se transformem em gemidos de parto.
Esta celebração é também um memorial dos êxodos e travessias que somos convidados/as a empreender como indivíduos: travessias de um eu fechado em si mesmo para uma comunidade aberta e solidária; de uma mesa grande e vazia para uma mesa farta e partilhada; de projetos estreitos e ancorados no sucesso pessoal para utopias coletivas; da sedução indisfarçável que a riqueza exerce sobre nós ao despojamento livre e generoso em favor dos outros; de lutas empreendidas contando apenas conosco mesmos/as para alianças bem mais que estratégicas.
A ceia eucarística é a memória de Jesus e dos discípulos e discípulas que, tendo atrás as memoráveis experiências das refeições partilhadas com toda sorte de pecadores/as e à frente a ameaça dos poderes que não toleram mudanças, compartilham suor e sangue, vinho e pão, sonhos e esperanças. Memória de incompreensões, medos, distanciamentos e traições. Memória daquele que tendo nos amado, ama-nos até o fim e se oferece como perene alimento para a caminhada. Memória de um Planeta-Mãe que nos gera e alimenta nas suas próprias entranhas, mas é agredido violentamente.


“Isto é o meu corpo que é dado por vós!”
A eucaristia é alimento para quem está a caminho. Celebramos esta ceia e aceitamos a aliança que Deus nos oferece ainda “na terra do Egito”. Faz escuro, mas cantamos para despertar a aurora que não demora a surgir. Celebramos esta refeição de comunhão prontos/as para realizar uma travessia urgente: com cintos que diminuem os embaraços; com sandálias que agilizam os passos; com cajados que nos sustentam nos vales escuros. “Quem comeu de pé a páscoa não tem lucros, nem tem medo”, poetiza o velho e lúcido Dom Pedro Casaldáliga.
Não um cordeiro, mas um corpo feito inteiramente dom. Corpo não é apenas uma carcaça, a metade exterior e mais desprezível da pessoa: é a totalidade concreta, é diferença e relação. Jesus Cristo oferece a concretude da sua vida como dom e partilha. É sua vida inteira – sonhos, ações, corpo e sangue – que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo para manter viva sua memória. Ele nos dá um exemplo.
A Eucaristia faz da Igreja uma comunidade aberta em dom àqueles/as que estão fora ou longe. O corpo de Cristo é a comunidade viva dos fiéis, o povo de Deus que ultrapassa as fronteiras eclesiásticas, o corpo dos pobres e marginalizados que padecem suas chagas vivas, o corpo do nosso Planeta, tão generoso e tão agredido. O corpo-Igreja é dado por nós, para que sejamos homens e mulheres emancipados, maiores, maduros e livres como Cristo. E isso significa encarnar a mesma atitude fundamental de amor, de cuidado e de serviço, sem esquecer do protesto profético contra as injustiças, como o assassinato brutal do índio Gaudino, no dia dos índios em 1997 (21 de abril).



“Senhor, tu me lavas os pés?”
Jesus simboliza a oferta sem reservas de si no gesto de lavar os pés dos discípulos. Ele havia dito e repetido que viera para servir e não para ser servido, como Servo e não como Senhor, e demonstrara isso numa dedicação sem cansaço aos últimos. Por isso, depois de repartir pão e vinho, deixa a mesa e assume o serviço que cabia às mulheres e crianças: lava os pés dos que estavam com ele à mesa. É o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, de joelhos, lava seus pés. E não o faz para demonstrar humildade, mas para desfazer as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos/as.
Entre os convivas estão Pedro e Judas. Pedro reage diante da lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas de forma tão radical: para ele, senhores e superiores devem ser honrados; servos e inferiores devem ser desfrutados; esta é a ordem e nada deve ser mudado. Parece-lhe difícil aceitar que esta não é a ordem querida por Deus, que participar da Eucaristia implica em fazer-se memória viva de Jesus Servo. Como custa à Igreja e a cada um/a de nós assimilarmos esta lição!... Mas Jesus não encena uma peça: ele é o Servo, e a missão que compartilha conosco é o serviço aos irmãos.
O evangelista não diz quem foi o primeiro e quem foi o último, e Jesus lava os pés também de Judas. Nossa tradição cultural propõe a prática de ‘malhar o Judas’, mas Jesus nos ensina a acolher também àqueles/as nos quais se condensa a resistência ao amor e o mistério da iniqüidade. Não se trata de absolver os algozes e ignorar seus crimes, mas de ser capaz de ver, mesmo nas pessoas contraditórias, resistentes e errantes, um ser humano que necessita de respeito. E mais: precisamos acolher a possibilidade de resistência, fechamento e traição que está em de nós mesmos/as.

“Elevo o cálice da salvação invocando o nome santo do Senhor...”
A lição é difícil e pouco óbvia. É por isso que depois de cear e de lavar os pés dos discípulos, Jesus os interroga: “Compreendeis o que acabo de fazer?” E para não deixar dúvidas, explica: “Vós me chamais de mestre e senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.” Deus coloca tudo em suas mãos, e este tudo se mostra nas mãos que lavam os pés e serão pregadas na cruz, no serviço cordial e fraterno, na recusa de toda espécie de hierarquização.
Seu desejo e ordem é que passemos da memória verbal e ritual à realização histórica e vivencial: “Fazei isso em memória de mim”; “Se puserdes em prática, sereis felizes.” A Eucaristia é memorial da solidariedade de Jesus realizada efetivamente nos caminhos da Galiléia e no martírio da cruz. Sem isso, a santa ceia seria um rito belo, mas vazio. Precisamos dar conteúdo e concretude à Eucaristia no dom cotidiano pelos outros, no serviço despojado a todos/as, mesmo àqueles/as que aparentemente não o merecem. O critério da missão não é o merecimento e sim a necessidade.
Jesus de Nazaré nos convida à Ceia que preparou com cuidado de amigo e nos acolhe à sua mesa. Participemos dignamente desta ceia-aliança para alcançarmos um amor maduro e concreto. Sentados/as, como pessoas reconhecidas e dignas, ou em pé, como militantes prontos/as para a luta, descubramos que a vida de cada pessoa humana é muito preciosa aos olhos de Deus. Por isso, seguros/as do seu amor, tomemos o avental e lavemos os pés uns dos outros, no interior do templo e nos caminhos da história.

“Vou cumprir minhas promessas ao Senhor n presença de seu povo reunido.”
Deus Pai e Mãe: teu Filho nos ensinou que na tua mesa há lugar para todos e não falta alimento, porque tudo é partilhado. Muito obrigado porque hoje, mais uma vez, vimos que isso é verdade. Mas te agradecemos principalmente porque nesta mesa de irmãos e irmãs aprendemos até onde nos leva o amor. Queremos te agradecer também pelos dons inestimáveis que são a terra, o ar, a água e todas as espécies de flores e frutos que possibilitam nossa vida de todos os dias e, inclusive, esta eucaristia. E te pedimos que nos mantenhas na escola do teu filho, para que aprendamos a fazer o que ele fez, a amar como ele amou, a servir como ele serviu. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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