sábado, 17 de abril de 2010

A força do missionário Brota do seu amor a Jesus

(At 5,17-32.40-41; Sl 29/30; Ap 5,11-14; Jo 21,1-19)
Ao sabor do tempo pascal, redescobrimos o horizonte e a urgência da missão. As celebrações deste período nos ajudam a ajuntar os pedaços das múltiplas experiências e a compor um mosaico capaz de mostrar como Jesus ressuscitado se manifesta, onde se deixa encontrar. Mas revelam também as dificuldades que enfrentamos para organizar nossa vida a partir de um Deus crucificado e assimilar as exigências desta mesma fé. Neste terceiro domingo da páscoa somos convidados e meditar sobre a frequente frustração da missão e a nos interrogar sobre profundidade do nosso vínculo com Jesus Cristo, o missionário do Pai. A missão será tanto mais frutuosa quanto mais profundo for nosso vínculo com Jesus, pois sem ele não podemos fazer nada e secamos como um ramo cortado da árvore. Em todas as fases da missão precisamos perceber como o próprio Jesus se aproxima para nos alimentar com o Pão da sua vida e conferir o fundamento no qual assentamos nossa missão.
“Mas não pescaram nada naquela noite.”
Estimulados por Pedro, os sete discípulos, símbolo da comunidade aberta aos gentios, estão em plena missão. Aparentemente fazem tudo do jeito certo, mas a frustração pouco a pouco vai enchendo o barco e faz pesar o coração. “Não pescaram nada naquela noite.” Jesus lhes havia dito que era preciso realizar as obras de Deus enquanto é dia, porque “vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar” (Jo 9,4). Brilhava a estrela d’alva e eles voltavam cansados, famintos e derrotados.
Por que o esforço deles se mostrava estéril? Não estaria faltando verdadeira união com Jesus Cristo? “Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim” (Jo 15,4). Ou será que faltava colocar em prática a lição do despojamento radical? “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto” (Jo 12,24).
Talvez sejam estas também as causas de alguns dos fracassos pastorais da nossa Igreja. Fazemos planos arrojados e nos lançamos com vontade e generosidade na sua realização, mas não encontramos gosto e tempo para cultivar uma relação pessoal com Jesus Cristo e alimentarmo-nos na mesa da sua Palavra. Ou então atuamos como executores técnicos de uma obra entre outras tantas, sem empenhar nela a totalidade do nosso ser, sem comprometer nosso nome nem arriscar nela nossa inteira vida.
“Já de manhã, Jesus estava na praia, mas o discípulos não sabiam que era ele.”
Aquele grupo de generosos ativistas não tinha percebido nem reconhecido que Jesus continuava presente e próximo nas suas atividades missionárias. “Já de manhâ, Jesus estava na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus.” Oprimida pelo fracasso, a comunidade se fecha e não consegue mais ver o essencial. Entretanto, Jesus continua se relacionando com eles com amizade e afeto, e isso se mostra na linguagem: “Filhinhos (ou rapazes), tendes alguma coisa para comer?”
A resposta dos discípulos é tão seca quanto a boca depois de uma noite de trabalho incessante. Com sua pergunta, Jesus acaba levando os discípulos a mergulhar no próprio fracasso. Mesmo que aqueles olhos cansados não conseguissem ver, Jesus Cristo continuava sendo uma presença discreta e fecunda nas idas e voltas da missão. Eles precisavam aprender a pescar diferente. Nós precisamos perceber e tornar sensível e reconhecível esta presença também hoje e mudar nosso modo de fazer as coisas.
“Lançai a rede à direita do barco...”
Obedecendo a Jesus, os discípulos recomeçaram o trabalho resignados, mas foram surpreendidos pelos resultados. Pegaram ‘uma multidão’ peixes. Será que não era exatamente ali, no lado direito do barco, que estava a ‘multidão’ de doentes, cegos, coxos e paralíticos que não conseguiam caminhar por si mesmos? Não seriam eles os primeiros interlocutores e beneficiados da missão da comunidade cristã? O segredo do êxito da missão da Igreja não estaria exatamente em voltar-se aos oprimidos?
De qualquer modo, os discípulos obedeceram à Palavra de Jesus Cristo e o trabalho deu frutos. Nesta obediência a Jesus Cristo está embutida uma relativização dos próprios conceitos e, frequentemente, uma desobediência às ordens vindas dos sistemas de coerção. Perseguidos, presos e ameaçados pelas autoridades do judaísmo, os apóstolos obedecem a Deus, deixam a prisão e, ao invés de fugirem, vão à praça e continuam intrepidamente a missão. “É preciso obedecer a Deus antes que aos homens.”
Os frutos inesperados do trabalho abrem os olhos para a presença de Jesus, mas só o discípulo amigo é capaz de reconhecê-lo e passar a notícia adiante. Então Pedro, fazendo as vezes de líder, ‘amarrou a túnica na cintura’ (como fizera Jesus no lava-pés!) e lançou-se no serviço. Todos foram recebidos com pão e peixe, mas o alimento oferecido por Jesus teve que ser completado pelo que eles produziram com o próprio trabalho. Ninguém perguntava pela identidade de Jesus, pois isso estava claro para todos.
“Tu me amas mais do que estes?”
No final da ceia pascal, depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus perguntara: “Entendeis o que eu vos fiz?” (Jo 13,12) Agora, para arrematar a ceia à beira da praia, Jesus se dirige a Pedro perguntando: “Simão, filho de João, tu me amas mais que estes?” Interroga o líder do grupo e faz questão de sublinhar sua origem e sua expectativa de um Messias poderoso e bem-sucedido. No fundo, quer fazer Pedro revelar se sua pretensão de liderança tem motivação e horizonte evangélicos.
Aquele que pergunta é o Cordeiro imolado, o humilhado exaltado e confirmado por Deus. Só ele é digno de receber honra, glória e poder para sempre. E Pedro responde afirmando sua amizade por Jesus. Estaria ele lembrado das palavras ditas por Jesus na última ceia: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando” (Jo 15,13-14)? De qualquer modo, sem amor pelo Cristo despojado e sem disposição de dar a vida pelo próximo não há autoridade evangelicamente legítima.
“Cuida dos meus cordeiros.”
A cada uma das três respostas afirmativas de Pedro, Jesus acrescenta um mandato: “Cuida dos meus cordeiros. Sê pastor das minhas ovelhas. Cuida das minhas ovelhas.” As variações evidenciam algumas ênfases e particularidades: providenciar segurança e alimento para os mais pequenos e humildes (cuidar dos cordeiros); liderar conduzindo à liberdade (pastorear as ovelhas); guiar à vida dando a própria vida (cuidar das ovelhas).
Enquanto a pesca representa uma atividade pastoral como que voltada para dentro, para as necessidades da comunidade eclesial, a missão confiada a Pedro e à comunidade cristã está voltada para fora, para as pessoas em geral. E em cada palavra, Jesus sublinha que as ovelhas e cordeiros são seus, e não de Pedro ou da Igreja. E se oferece como modelo e caminho para o exercício da missão.
Tanto as brasas ao calor das quais Jesus grelhou o peixe como a tríplice pergunta fazem Pedro lembrar sua falta de coerência no caminho da cruz. É como se, ao confirmar o mandato missionário que confere a Pedro e a cada um/a de nós, Jesus Cristo fizesse questão de recordar nossa vulnerabilidade. Mas ele quer também destacar outros dois elementos absolutamente fundamentais: não há autoridade legítima sem amor pessoal a Jesus Cristo, o Cordeiro imolado; não há amor a Jesus sem serviço aos pequenos.
“Segue-me.”
O encontro que começara com uma pesca frustrada, continuara numa refeição fraterna, se aprofundara num diálogo profundo e comprometedor, terminpu com um convite dirigido a Pedro: “Segue-me!” Até então Pedro havia acompanhado Jesus levado por outros, motivado por interesses ambivalentes. No evangelho de João, esta é a primeira vez que Jesus se dirige a Pedro convidando-o a ser seu discípulo. Depois do fracasso no caminho da cruz e na missão e depois da confirmação do seu propósito de ser amigo de Jesus e cuidar do seu rebanho, Pedro está maduro para iniciar o caminho de discípulo.
Só podemos ser testemunhas e missionários/as autênticos/as se permanecermos eternos discípulos/as e aprendizes, prontos/as a ir para onde o Senhor quiser nos levar. Cientes de que não produziremos frutos se não permanecermos unidos a ele, alimentamo-nos à mesa que ele nos prepara nos caminhos da história e nos descobrimos serenos/as e fortes, obedientes e livres para testemunhar um amor mais forte do que a morte, para seguir um humilhado no qual reside toda glória desejável e possível.
Pe. Itacir Brassiani msf

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