O alegre testemunho de doação e serviço desperta vocações.
(At 13,14.43-52; Sl 99/100; ap 7,9.14-17; Jo 10,27-30)
O quarto domingo do tempo pascal nos apresenta Jesus como Cordeiro-Pastor que revela e anuncia o Pai mais mediante o testemunho das ações que de palavras. Neste dia dedicado à oração pelas vocações, o Papa nos lembra que o despertar das vocações depende em boa parte do testemunho pessoal e comunitário das pessoas que já deram ou estão dando sua resposta ao chamado de Deus. Creio que o testemunho de pessoas simples como Elena Gaboardi, italiana de Lodi que faz parte de uma associação leiga de apoio às comunidades de Nampula (Moçambique) e que recentemente visitou nossa missão em Mecuburi, e João Bertoldo, leigo calvarianos de Campinas, além de contribuírem de forma insubstituível na construção do Reino de Deus, são testemunhas vivas que despertam e sustentam vocações. Cristãos como estes – e eles são uma multidão que ninguém pode contar! – têm verdadeiramente o Cordeiro como pastor e Senhor.
“Eu as conheço e elas me seguem...”
A fé em Deus se mostra mais pelas ações que pelos ritos e palavras. É isso que Jesus afirma na discussão com as autoridades religiosas em plena festa da dedicação, em Jerusalém. Cercando Jesus, perguntam-lhe: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias, o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vos não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo 10, 24-25).
Jesus apresenta suas credenciais de Messias, de missionário do Pai: suas ações em favor da humanidade. Neste debate com as autoridades do judaísmo ele nega a legitimidade de uma fé que não tenha apoio no modo de agir. Quem está sem reservas ao lado do ser humano está com Deus. E quem está de alguma maneira contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos religiosos, está contra ele.
“Somos seu povo e rebanho do seu pasto”, diz o salmista. Mas ser do rebanho de Jesus Cristo emplica em escutar sua Palavra e seguir seus passos, assumir sua pró-existência. Crer em suas obras de defesa e resgate da dignidade humana é até mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus é segui-lo, dar continuidade à sua obra. “Eu as conheço e elas me seguem.” Seguir Jesus é entregar-se, como ele, sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das pessoas humilhadas.
“Eu lhes dou a vida eterna.”
O denominador comum das múltiplas ações que expressam nossa fé é o amor. A autenticidade e a frutuosidade da nossa fé em Jesus não residem na multiplicação de atividades desconexas e sem alma. Mas muito mais que um sentimento, o amor é o dinamismo básico e permanente que nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais, inclusive em detrimento das nossas.
O amor faz da nossa vida uma pró-existência, uma vida empenhada em favor dos outros. O amor é que nos faz humanos, nos dá à luz como pessoas. A descoberta e a construção da nossa identidade não se dá primariamente pela reflexão, pelo movimento de dobrar-se sobre si mesmo e escutar a voz interior, mas pela tomada de posição diante de uma voz externa que chama: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Uma vida assim vivida não pode ser tragada pela morte ou diminuída pelas ameaças: é re-suscitada sempre de novo, têm força de eternidade.
“Gente de todas as nações, tribos, povos e línguas...”
O amor autenticamente humano e cristão não reconhece nenhum tipo de fronteira. Enquanto pró-existência e afirmação da dignidade do outro enquanto outro, o amor rompe com os muros levantados em nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses econômicos. O amor é o único dinamismo capaz de globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém, pois começa pelo diferente, pelo outro, pela exterioridade em relação a todos os sistemas e instituições.
Neste sentido é interessante o testemunho dos Atos dos Apóstolos, que mostra como Paulo e Barnabé conseguem abrir as fronteiras rígidas do judaísmo e estabelecem relações com os povos não-judeus. Partindo dos conflitos provocados pelo anúncio de Jesus Cristo dentro do judaísmo eles se voltam aos grupos considerados pagãos. Experimentando acolhida e respeito, os cristãos de origem não-judaica vivem uma grande alegria. E nem mesmo a perseguição consegue levar Paulo e Barnabé de volta à estreiteza dos laços étnicos e religiosos.
Mas aqui precisamos de novo lembrar que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não existe em si mesmo, ele não é mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações que afirmam e confirmam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe, como os índios, de cujo drama Galdino de Jesus, queimado vivo nas ruas de Brasília no dia 21 de abril de 1997, é um símbolo dramático.
“Muitos judeus e prosélitos praticantes seguiram Paulo e Barnabé.”
Se as palavras explicam e ilustram, o testemunho desperta e atrai. É claro que a mensagem anunciada por Paulo e Barnabé cumpre seu papel, mas é o testemunho de uma vida radicalmente mudada e colocada em risco que atrai judeus, prosélitos e gente vinda do paganismo. A mesma coisa podemos dizer a respeito da vocação e da con-vocação: a oração é importante, a pregação e o incentivo cumprem seu papel, mas o testemunho de uma vida ‘desvivida’ no amor eloquente e irresistível.
Na sua mensagem para o dia de hoje, o Papa Bento XVI apresenta Jesus Cristo como testemunha do amor de Deus por todas as pessoas sem distinção, mas com ‘especial atenção pelos últimos’. E diz que hoje Deus serve-se do testemunho dos padres e religiosos para suscitar novas vocações sacerdotais e religiosas. Tal testemunho se condensa especialmente na amizade e na intimidade pessoal com Cristo, no dom total de si mesmo a Cristo e no fazer-se companheiro de viagem de muitos irmãos e irmãs.
O Papa salienta que “o testemunho pessoal, feito de opções existenciais concretas” opera como encorajamento para que os/as jovens de hoje tomem “decisões empenhativas que envolvem o próprio futuro”. É vivendo com alegria a própria vocação de seguir Jesus Cristo que padres e religiosos/as chamam eloquentemente todos os cristãos a responderem à sua vocação universal à santidade. E para ajudá-los na própria resposta, a arte do encontro, do diálogo e do acompanhamento são essenciais.
“Vi uma multidão imensa que ninguém podia contar...”
Mas considerar como vocação unicamente a vida religiosa e o ministério sacerdotal é um erro teológico e pastoral (que o Papa não consegue evitar na referida mensagem). Rezando pelas vocações, pedimos a Deus que ajude nossas comunidades a se tornarem ambientes nos quais despertem e amadureçam as diversas vocações – leigas, religiosas e sacerdotais, litúrgicas e políticas – que ajudam a anunciar, celebrar e construir a utopia do Reino de Deus. Elas compõem uma multidão imensa que, orientando sua vida pelas sendas do Cordeiro, está de pé diante dele, pronta a cumprir a missão que ele lhe confia.
Nesta jornada mundial de oração pelas vocações, que vem sendo realizada há 47 anos, pedimos também que as autoridades eclesiásticas tenham a coragem de abrir novos caminhos e possibilidades ministeriais. Não seria um paradoxo enfatizar a necessidade da vida sacramental e, ao mesmo tempo, fazer os sacramentos dependerem unicamente de homens celibatários, dificultando assim o acesso do povo a eles? Faz sentido em pleno século XXI e diante de tanta necessidade excluir a metade fiminina da humanidade do acesso ao ministério ordenado?
“Serví ao Senhor com alegria!”
É através dos homens e mulheres que vivem sua vocação como serviço e compaixão que Deus estende hoje seu amor a todas as gerações, como diz o salmista. É mediante estas pessoas, a maioria delas anônimas, que Deus enxuga as lágrimas do seu povo. Oxalá nossa palavra e nosso testemunho ajude a Palavra e a obra libertadora de Deus chegar a todos os recônditos da terra. O Senhor nos fez, nos chamou e somos seus. Vamos a ele com alegria e realizemos a missão que ele nos confia com desvelo e criatividade: leigos/as ou consagrados/as, ordenados ou inseridos no mundo da política e da cultura, somos membros diferentes de um único corpo no qual bate um único coração.
Pe. Itacir Brassiani msf
(At 13,14.43-52; Sl 99/100; ap 7,9.14-17; Jo 10,27-30)
O quarto domingo do tempo pascal nos apresenta Jesus como Cordeiro-Pastor que revela e anuncia o Pai mais mediante o testemunho das ações que de palavras. Neste dia dedicado à oração pelas vocações, o Papa nos lembra que o despertar das vocações depende em boa parte do testemunho pessoal e comunitário das pessoas que já deram ou estão dando sua resposta ao chamado de Deus. Creio que o testemunho de pessoas simples como Elena Gaboardi, italiana de Lodi que faz parte de uma associação leiga de apoio às comunidades de Nampula (Moçambique) e que recentemente visitou nossa missão em Mecuburi, e João Bertoldo, leigo calvarianos de Campinas, além de contribuírem de forma insubstituível na construção do Reino de Deus, são testemunhas vivas que despertam e sustentam vocações. Cristãos como estes – e eles são uma multidão que ninguém pode contar! – têm verdadeiramente o Cordeiro como pastor e Senhor.
“Eu as conheço e elas me seguem...”
A fé em Deus se mostra mais pelas ações que pelos ritos e palavras. É isso que Jesus afirma na discussão com as autoridades religiosas em plena festa da dedicação, em Jerusalém. Cercando Jesus, perguntam-lhe: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias, o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vos não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo 10, 24-25).
Jesus apresenta suas credenciais de Messias, de missionário do Pai: suas ações em favor da humanidade. Neste debate com as autoridades do judaísmo ele nega a legitimidade de uma fé que não tenha apoio no modo de agir. Quem está sem reservas ao lado do ser humano está com Deus. E quem está de alguma maneira contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos religiosos, está contra ele.
“Somos seu povo e rebanho do seu pasto”, diz o salmista. Mas ser do rebanho de Jesus Cristo emplica em escutar sua Palavra e seguir seus passos, assumir sua pró-existência. Crer em suas obras de defesa e resgate da dignidade humana é até mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus é segui-lo, dar continuidade à sua obra. “Eu as conheço e elas me seguem.” Seguir Jesus é entregar-se, como ele, sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das pessoas humilhadas.
“Eu lhes dou a vida eterna.”
O denominador comum das múltiplas ações que expressam nossa fé é o amor. A autenticidade e a frutuosidade da nossa fé em Jesus não residem na multiplicação de atividades desconexas e sem alma. Mas muito mais que um sentimento, o amor é o dinamismo básico e permanente que nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais, inclusive em detrimento das nossas.
O amor faz da nossa vida uma pró-existência, uma vida empenhada em favor dos outros. O amor é que nos faz humanos, nos dá à luz como pessoas. A descoberta e a construção da nossa identidade não se dá primariamente pela reflexão, pelo movimento de dobrar-se sobre si mesmo e escutar a voz interior, mas pela tomada de posição diante de uma voz externa que chama: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Uma vida assim vivida não pode ser tragada pela morte ou diminuída pelas ameaças: é re-suscitada sempre de novo, têm força de eternidade.
“Gente de todas as nações, tribos, povos e línguas...”
O amor autenticamente humano e cristão não reconhece nenhum tipo de fronteira. Enquanto pró-existência e afirmação da dignidade do outro enquanto outro, o amor rompe com os muros levantados em nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses econômicos. O amor é o único dinamismo capaz de globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém, pois começa pelo diferente, pelo outro, pela exterioridade em relação a todos os sistemas e instituições.
Neste sentido é interessante o testemunho dos Atos dos Apóstolos, que mostra como Paulo e Barnabé conseguem abrir as fronteiras rígidas do judaísmo e estabelecem relações com os povos não-judeus. Partindo dos conflitos provocados pelo anúncio de Jesus Cristo dentro do judaísmo eles se voltam aos grupos considerados pagãos. Experimentando acolhida e respeito, os cristãos de origem não-judaica vivem uma grande alegria. E nem mesmo a perseguição consegue levar Paulo e Barnabé de volta à estreiteza dos laços étnicos e religiosos.
Mas aqui precisamos de novo lembrar que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não existe em si mesmo, ele não é mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações que afirmam e confirmam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe, como os índios, de cujo drama Galdino de Jesus, queimado vivo nas ruas de Brasília no dia 21 de abril de 1997, é um símbolo dramático.
“Muitos judeus e prosélitos praticantes seguiram Paulo e Barnabé.”
Se as palavras explicam e ilustram, o testemunho desperta e atrai. É claro que a mensagem anunciada por Paulo e Barnabé cumpre seu papel, mas é o testemunho de uma vida radicalmente mudada e colocada em risco que atrai judeus, prosélitos e gente vinda do paganismo. A mesma coisa podemos dizer a respeito da vocação e da con-vocação: a oração é importante, a pregação e o incentivo cumprem seu papel, mas o testemunho de uma vida ‘desvivida’ no amor eloquente e irresistível.
Na sua mensagem para o dia de hoje, o Papa Bento XVI apresenta Jesus Cristo como testemunha do amor de Deus por todas as pessoas sem distinção, mas com ‘especial atenção pelos últimos’. E diz que hoje Deus serve-se do testemunho dos padres e religiosos para suscitar novas vocações sacerdotais e religiosas. Tal testemunho se condensa especialmente na amizade e na intimidade pessoal com Cristo, no dom total de si mesmo a Cristo e no fazer-se companheiro de viagem de muitos irmãos e irmãs.
O Papa salienta que “o testemunho pessoal, feito de opções existenciais concretas” opera como encorajamento para que os/as jovens de hoje tomem “decisões empenhativas que envolvem o próprio futuro”. É vivendo com alegria a própria vocação de seguir Jesus Cristo que padres e religiosos/as chamam eloquentemente todos os cristãos a responderem à sua vocação universal à santidade. E para ajudá-los na própria resposta, a arte do encontro, do diálogo e do acompanhamento são essenciais.
“Vi uma multidão imensa que ninguém podia contar...”
Mas considerar como vocação unicamente a vida religiosa e o ministério sacerdotal é um erro teológico e pastoral (que o Papa não consegue evitar na referida mensagem). Rezando pelas vocações, pedimos a Deus que ajude nossas comunidades a se tornarem ambientes nos quais despertem e amadureçam as diversas vocações – leigas, religiosas e sacerdotais, litúrgicas e políticas – que ajudam a anunciar, celebrar e construir a utopia do Reino de Deus. Elas compõem uma multidão imensa que, orientando sua vida pelas sendas do Cordeiro, está de pé diante dele, pronta a cumprir a missão que ele lhe confia.
Nesta jornada mundial de oração pelas vocações, que vem sendo realizada há 47 anos, pedimos também que as autoridades eclesiásticas tenham a coragem de abrir novos caminhos e possibilidades ministeriais. Não seria um paradoxo enfatizar a necessidade da vida sacramental e, ao mesmo tempo, fazer os sacramentos dependerem unicamente de homens celibatários, dificultando assim o acesso do povo a eles? Faz sentido em pleno século XXI e diante de tanta necessidade excluir a metade fiminina da humanidade do acesso ao ministério ordenado?
“Serví ao Senhor com alegria!”
É através dos homens e mulheres que vivem sua vocação como serviço e compaixão que Deus estende hoje seu amor a todas as gerações, como diz o salmista. É mediante estas pessoas, a maioria delas anônimas, que Deus enxuga as lágrimas do seu povo. Oxalá nossa palavra e nosso testemunho ajude a Palavra e a obra libertadora de Deus chegar a todos os recônditos da terra. O Senhor nos fez, nos chamou e somos seus. Vamos a ele com alegria e realizemos a missão que ele nos confia com desvelo e criatividade: leigos/as ou consagrados/as, ordenados ou inseridos no mundo da política e da cultura, somos membros diferentes de um único corpo no qual bate um único coração.
Pe. Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário